"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

reatando com o analógico


Quando nos falam sobre pessoas que caíram no golpe do bilhete premiado, ou que acreditaram estar escutando, pelo telefone, as súplicas de um filho sequestrado, e acabam entregando seu dinheiro nas mãos de golpistas inescrupulosos, logo pensamos que nós não seríamos pegos. Não seríamos tão ingênuos. Não seríamos tão trouxas.

Corta para a véspera de Natal. Você está exausta em frente ao computador, de coração mole e com os neurônios fritando, quando recebe uma mensagem de uma amiga pelo whatsapp. Você sabe que ela anda com problemas financeiros, e está fazendo o que nunca fez: pedindo um empréstimo. Precisou fazer algumas transferências bancárias e excedeu o limite do dia, faltou fazer mais uma, você poderia fazer por ela? Logo ela irá te ressarcir. Você, sendo uma pessoa vivida, pegaria o telefone e ligaria para ela para combinar a transação, mas você não telefona. Você faz o depósito online. Parabéns, você foi pega. Você é ingênua, sim. Você é trouxa, sim.

Esta é mais uma crônica da série: “Até que acontece com a gente”. Sempre tão atinada, caí feito um patinho neste golpe eletrônico já tão divulgado. Minha amiga teve o celular clonado, não era ela que estava falando comigo, lógico. Meus amigos me consolam dizendo: Martha, você tem bom coração, não deve se envergonhar, quis apenas ajudar. Pois é, mas de que adianta ter bom coração num planeta fake? Não temos mais o direito de confiar, de permitir que a vida flua sem o radar ligado 24 horas. Não podemos escutar “te amo” acreditando que é amor mesmo, vá que seja por interesse. Ao ouvir um “te devolvo amanhã”, é certo que nunca mais verá o que emprestou. Temos sempre que ler nas entrelinhas, desconfiar das intenções, ficar alerta para escapar de tentativas de empulhação. Até as notícias que lemos nas redes sociais não são notícias, e sim desinformação planejada para manipular nossos pensamentos e opiniões. O que mais falta para virarmos uma sociedade de paranoicos?

Daqui pra frente serei mais cuidadosa, mais atenta, mais malandra – menos eu. Efeito colateral da tecnologia: se os estelionatários são avatares, é sendo um avatar de mim mesma que reagirei. Não bloquearei minhas contas, nem me mudarei para o meio do mato: irei me adequar, providenciarei os ajustes necessários, começando por fazer as pazes com o analógico. Falar mais com as pessoas, e não apenas me comunicar via digital. Escutá-las. Se não ao vivo, que seja pelo telefone, aquele aparelhinho incrível que, antes de virar um transmissor de gravações e mensagens abreviadas, permitia que ouvíssemos a voz do outro em tempo real.

Alô? Tudo bem com você? Que bom te ouvir.