Sempre me considerei uma
mulher adaptável. Me convide para um
baile na corte ou um churrasco na laje, e me sentirei em casa pelo simples fato
de estar bem assentada em mim. O que
vier eu destrincho, desdobro.
Isso até outro dia,
quando voltei a frequentar a única espécie de roda que me faz tremer na base: a
dos festivais literários. No início
correu tudo bem, conversei com colegas que conhecia de vista ou de nome, rimos
muito, viramos uma turma, mas houve um momento em que os astros deram uma
pirueta nos céus e desconfiguraram a cena: sem entender como, fui parar numa
mesa de restaurante com três figurões da literatura com quem nunca havia interagido
antes. Calma, qual o espanto? É só participar do papo, você já fez isso mil
vezes.
Aí é que está. O papo foi sobre as variadas vertentes do
judaísmo. A filosofia alemã do século
18. Os mais influentes documentários
políticos da história. As consequências
da xenofobia francesa para a economia.
Quando escutei um deles declarar furioso “Nem arrastado eu moraria em
Paris”, pedi licença, me levantei e fui ao encontro de uma blogueira divertida
que amaria estudar em Paris, casar em Paris, ser infeliz em Paris.
Há gente que vive de
escrever e há os escritores mesmo.
Aqueles da mesa eram escritores mesmo.
Alto padrão intelectual.
Colecionadores de prêmios.
Catedráticos viajados, virtuoses da língua, candidatos fortíssimos à Academia
Brasileira de Letras. Eu? Uma penetra.
Mesmo.
Esse episódio me fez
lembrar uma conversa que tive com um amigo da adolescência que convive comigo
desde sempre, sabe a gaiata que sou, e que me disse que muita gente que não me
conhece pensa que, se me levar a um restaurante, vai ter que enfrentar essa
mesma discussão filosófico-cultural. Dei
risada. Ele me olhou bem sério e disse
que não era brincadeira: escritores assustam, ele garantiu. Quase chorando, perguntei: isso significa que
estou ferrada? Ele me abraçou e disse:
está, amiga. Se quiser sair e namorar,
entre no Facebook e procure a turma da praia, do colégio, do clube, do bairro,
aqueles que conviveram com você antes de você ter dado certo.
Fiquei tão desolada que
ele me pagou outra cerveja.
Era machista sua
avaliação, mas, quando me vi cercada pelo grupo erudito, entendi. Se aquela era a imagem que se fazia dos
escritores, coitados de nós. Estávamos
em maus lençóis. Quem se aproximasse
acreditaria estar condenado a debates e palestras até durante o bem-bom.
Há os escritores mesmo,
cuja sabedoria sobressai desde o aperitivo até a sobremesa (e têm todo o meu
respeito), e há aqueles que apenas tiveram o privilégio de publicar seus textos
e que dão pitacos sobre cultura pop, cinema, viagens, televisão, futebol,
encrencas, roubadas, amores, alegrias, assumindo o mundanismo que os constitui. Não sou uma escritora mesmo. Não sou nada que mereça o “mesmo” como
reforço. Meio baile na corte, meio
churrasco na laje. Mesmo, mesmo, bem
intencionada – e só.
#dia do escritor