Quando crianças, o tempo
para nós é sempre “agora”: brincar, mamãe, com sorte mais carinho do que
violência, coisas desse tipo. Somos imediatistas. Depois, ainda pequenos,
contamos o tempo pelas vezes em que teremos de dormir: “Quantas vezes tenho de
dormir até o Natal? Até o aniversário?”.
Saindo do limbo da
infância, começamos a ter projetos. Precisamos ter projetos. Nos dizem que
temos de ter projetos, mais do que desejos ou sonhos, porque estamos ficando “grandes”
e precisamos ser responsáveis. Alguns sonhos e desejos podem se transformar em
projetos cada vez mais complexos e a mais longo prazo, à medida que nos
tornamos adultos. Com eles chegam as frustrações: eu queria ser rico, acabei
remediado, queria ser famoso, sou um anônimo. Eu queria ser médico, acabei
taxista. Eu queria ser modelo, virei uma acomodada dona de casa; eu quis viajar
o mundo, e só agora, quase na velhice, vou conhecer o Rio.
A frustração tem a medida
do desejo que não se realizou, ou da nossa incapacidade de nos adaptarmos ao
real - sem perder a capacidade de voar. Não é preciso pisar na Lua para ser
bem-sucedido, nem ter um Everest de dólares para se sentir bem na própria pele,
isso que eu chamo de “ser feliz”. Gostar do que conseguimos: fazer caber nossas
alegrias, isso que fazemos, desde que não nos humilhe nem degrade. Por que não
posso ser bem-sucedida tendo uma casa simples mas acolhedora e uma família em
que, apesar das brigas naturais, nos apoiamos uns aos outros em lugar de criticar?
Por que conduzindo pessoas num táxi não posso fazer bem a elas e sustentar
minha gente? Por que, não sendo modelo, mesmo assim não posso me achar bonita,
simpática, rica de emoções e coisas boas?
O problema maior é
descobrir quem somos, o que desejamos e o que podemos. Ignorar, superar, os
preconceitos, as regras, as receitas de ser bem-sucedido e feliz.
Empoderamento, palavra clichê do momento (até rimou), me aborrece um pouco. Por
que teríamos de ser todos poderosos? Importa, mais do que isso, sermos
decentes, dignos, úteis, amorosos, compassivos, criativos, e capazes de ver -
mesmo na correria desta vida moderna - a beleza das nuvens disparando no céu, a
dança das copas das árvores ou das ondas do mar quando venta forte. De
telefonar para o amigo em dificuldade, dedicar um tempo aos filhos, ou aos
pais, escutar o parceiro com carinho, enfim, sermos humanos sem maior
complicação.
Para entender quem somos,
quem queremos ser, quem podemos ser - não o que os outros, a turma, a
sociedade, querem que sejamos -, é preciso parar pra pensar. “Parar pra pensar?
Nem pensar! Se eu paro pra pensar, desmorono”, é a frase mais comum. Então esse
deveria ser nosso heroísmo fundamental: interromper a agitação, um momento que
seja, clarear a paisagem interior dominando a impaciência e o pessimismo.
Enfrentando como podemos a realidade de um país confuso num mundo conturbado,
na floresta de enganos em que se desperdiçam bons amores e desejos. Assim
talvez sejam menos dolorosas as inevitáveis frustrações que por toda parte
espreitam - porque viver, e conviver, sem perder a bondade nem a coragem, é
difícil tarefa.
Texto originalmente
publicado em 29 de outubro de 2016