Tenho percebido que a
poesia anda visitando as redes sociais com uma frequência que não havia antes.
Atores e atrizes dizem poemas, Betos e Marias dizem poemas, e os versos se
espalham por escrito também, alguns fotografados direto dos livros. Poesia,
veja só. Aquela flor atrevida que surge entre os tijolos dos muros e as lajes
das calçadas, e que altera a visão do mundo.
Não foi combinado,
ninguém propôs, não marcaram dia e hora para começar. Começou. Alguém lembrou
de Bandeira numa terça, outro puxou uma Cecília Meireles na quarta, um Manoel
de Barros veio à tona sexta-feira, e das páginas os versos saltaram para o
universo digital, que estava mesmo precisando de algo mais depurado do que a
bruta troca de ofensas entre dois lados.
A poesia como resposta ao
que não nos foi perguntado: merecemos uma sociedade tão desnutrida de valor,
tão árida, estéril e nefasta? Em meio a um país fúnebre, contando mortos e
motos, sendo infectado diariamente pela estupidez e assistindo à ascensão da
miséria intelectual como se fosse um triunfo, vem a poesia em nosso socorro e
traz um pouco de luz. Palavras cintilantes, como vagalumes aqui e ali,
acendendo tochas na escuridão.
A poesia, que tantos
acham difícil e solene, vem juntar-se aos nossos estilhaços, às nossas lives e
postagens, vem nos acariciar e sussurrar belezas, vem promover um breve
instante de comoção, vem preencher o vazio e espantar essa esquisita friagem
vinda da região central do Brasil, esse espírito glacial que intenciona trocar
nossos vestidos vaporosos e camisas coloridas por fardas que enrijecem o
caminhar, a liberdade dos passos. Vem ela, a poesia, colocar-se a postos para
esse confronto de delírios, ofertando, em contraste, sua magia. Em vez de
lunática, inteligentemente anárquica; em vez de pirada, inspirada. Esparramando
bom astral por onde passa.
A poesia está no varal e
suas roupas penduradas, no semblante da moça dentro do ônibus, num guarda-chuva
preto atrás da porta, na chama da vela que treme ao abrirem uma janela, nas
mãos dadas dentro do cinema. A poesia está no resto de bolo na geladeira, no
vapor que embaça o espelho depois do banho, na cama desarrumada do quarto. Seu
filho dormindo também é um poema.
A poesia não é oculta, e
sim discreta. Basta um convite do olhar e ela se revela, para então se esconder
novamente atrás da pressa, do tédio, do desencanto, do barulho.
Hoje estou aqui para
saudar a reação espontânea de tantos internautas, necessária resistência diante
da tentativa de arrancarem de nós o que é sentimental, deixando-nos apenas
palavras rudes e paredes com marcas de tiros. A poesia, milagreira, retorna.
Flor que brota no cimento, e que, insolente e bela, nos salva, nem que seja por
um minuto, aquele respeitoso minuto de silêncio.