Sempre nos ensinam que a
vida depende em boa parte de escolhas nossas. Isso também “depende”. Pois, se
nasço branco e rico, negro e pobre, branco e doente, negro e saudável, oriental
e talentoso, oriental e enfezado, se nasço no Norte mais pobre ou no Sul mais
progressista, aqui no estranho Brasil ou em algum lugar muito carente da África
mais remota, se meu pai é inuit num dos polos ou banqueiro em Nova York, e
assim por diante, digamos que a minha escolha não há de pesar tanto.
Essa é a base. Mas
depois, aí vem o dilema - porque a gente não gosta de dilemas, que provocam
escolhas. Depois das condições, não escolhidas, em que nascemos, vem um longo
trajeto em que podemos seguidamente tomar decisões: droga ou trabalho, estudo
ou boa vida, honra ou malandragem, afeto ou futilidade... enfim. Nada é
perfeito.
Escolhas são aflição.
Ofereçam ao seu pet um biscoito e um naco de carne, e ele poderá hesitar,
perplexo: animais de estimação têm expressões assustadoramente humanas. Para os
humanos, as escolhas são as mais diferentes e até absurdas: que roupa usar, no
meu closet do tamanho de um bom quarto normal? Que arma vou usar no próximo
assalto? Quem vou assaltar? O que vou comprar com o dinheirinho que me resta:
remédio ou comida? Para onde devo me mudar? Por que me mudar?
Ainda falando de gente:
existe um número imenso de alunos e professores que preferem uma aula bem
digerida, nada de provocações por parte do mestre, pois os alunos podem exercer
sua perigosa inteligência, sua inquietante liberdade, e argumentar, discutir...
Talvez sejamos simplesmente preguiçosos, comodistas, lerdos. Queremos boa vida,
nada de caminho pedregoso ou esburacado, nada de pais que impõem limite,
professores ou patrões exigentes.
Pode ser delicioso ser
filhinho do papai ou da mamãe, e não me refiro só à casa paterna, mas à vida em
geral, também à profissão, aos estudos. Escolher é muito chato. Mas a vida não
dá colo: passa muita rasteira, exige humildade, personalidade e resistência.
Por outro lado - isso me provaram muitos jovens e alunos -, que alegria
descobrir o próprio poder de decisão.
Crescer dói, e não só nos
ossos infantis com a dita “dor de crescimento”. Dói na alma: “viver é lutar”,
disse o poeta brasileiro ao filho, e é, sim. Mas tem umas compensações, como
perceber que não somos totalmente ignorantes, incapazes e dependentes.
Descobrir que nosso trabalho, por mais simples que seja, tem importância, isto
é, nós temos importância. Descobrir que somos necessários também para pessoas
que nos amam, amigos, família, parceiros.
Talvez essa seja a base
de todo tipo de felicidade, que para mim é sentir-se bem na própria pele -
mesmo fora dos grandes entusiasmos policromados: saber-se apreciado,
profissional ou pessoalmente. E todos somos. Nem precisam ser coisas
grandiosas, ao contrário: o bom, o positivo, pode ser muito pequeno, e ainda
assim essencial, como permitir-se ser amado, ser estimado, ser escolhido, ser
eficiente. Mesmo que apenas (apenas?) para limpar a rua, trocar a atadura,
estimular alguém, fazer alguém pensar por si, e saber-se capaz de fazer suas
próprias escolhas.
(Crônica pulicada
originalmente em 1º de abril de 2017)