Na vida, essa estranha
máquina que nos carrega, nos transforma, nos faz felizes ou solitários,
passamos uns pelos outros, rapidamente, demoradamente, ou em uniões e amizades
permanentes, essas que resistem ao tempo e nos confortam quando mandamos um
recado, um olhar, um whatsapp, um e-mail, ou até um pedido silencioso, preciso
ombro, escuta, resposta, ah, a importância das respostas.
E assim vamos de amado em
amado, amigo em amigo, grupo em grupo, como crianças em ciranda (ainda se faz
isso?) trocando de mãos, de lado, estando no centro ou fora do círculo. Não
controlamos a maior parte desses acontecimentos que nos exaltam ou nos deixam
de coração partido, por dias, meses, anos ou... sempre.
Lembro de na infância só
conseguir dormir tranquila, de verdade, quando o carro de meu pai entrava pelo
portão, passava debaixo da minha janela, entrava na garagem: meu mundo ficava
em ordem. Alguém um dia me diria: quando você está aí, meu mundo fica em ordem.
Há uma beleza comovente
nessas ligações, mas há também uma imensa fragilidade naquele que está mais
ligado, precisado, talvez encantado do que o outro. O que inevitavelmente
acontece, nas melhores relações, amizades, amores.
Não há defesa contra esse
sofrimento, que pode ser muito sutil, mas lá está. Inevitável vida, insuperável
condição humana, todos no fundo uns pobres coitados, assustados, carentes, ou
enganosamente prepotentes.
Há décadas escrevo sobre
isso, de alguma forma: a incomunicabilidade causando dor, os mal-entendidos
separando, a falta de coragem para falar isolando, quando queríamos união,
bem-estar e segurança pelo afeto do outro. Alguma forma de presença boa, ainda
que virtual. Que, aliás, em geral ele também queria dar. Mas a humana condição
nem sempre permite. O medo, medo de assustar, de ferir, de ser ferido.
Esse assunto, sobre o
qual tanto escrevi e escrevo, me cansa um pouco. Por que não podemos ser mais
felizes? Ou ser felizes por um pouquinho mais de tempo? Seja lá o que isso
signifique para cada um.
Neste momento, uma grande
mancha, uma sombra escura e pegajosa se espalha sobre o planeta e atinge a
todos nós, os que tivemos, teremos ou nos salvaremos da Peste moderna chamada
covid, em que vários ainda não acreditam. Morrem centenas de milhares, e ainda
há quem ache trama de impérios ávidos, de políticos assassinos, subserviência
de povos ignorantes e miseráveis.
Seja como for, há
desencontros por causa disso, por incrível que pareça: nos zangamos com quem
acredita no vírus, nos irritamos com quem não acredita no vírus. Se não for
política, agora a enfermidade, ou a possibilidade dela, provoca discordâncias,
xingamentos, hostilidades.
Botam à prova nossa
humanidade melhor, a que quer amar e ser amada, seja com que forma de afeto
for, amizade, desejo, amor, não importa. Parceria. E, assim, o vírus não só
mata pessoas, mas relações: que pena, que pena, que absurdo beirando o
ridículo, se não fosse tantas vezes trágico.