“Sou fã de psicanálise, de livros de
psicanálise, de filmes sobre psicanálise e não pretendo desgrudar o olho da
nova série do GNT, Sessão de Terapia¹, dirigida por Selton Mello. Algum
voyeurismo nisso? Total. Quem não gostaria de ter acesso ao raio-x emocional
dos outros? Somos todos bem resolvidos na hora de falar sobre nós mesmos num
bar, num almoço em família, até escrevendo crônicas. Mas, em colóquio secreto e
confidencial com um terapeuta, nossas fraquezas é que protagonizam a conversa.
Por 50 minutos, despejamos nossas
dúvidas, traumas, desejos, sem temer passar por egocêntricos. É a hora de
abrir-se profundamente para uma pessoa que não está ali para condenar ou
absolver, e sim para estimular que você escute atentamente a si mesmo e assim
consiga exorcizar seus fantasmas e viver de forma mais desestressada. Alguns
pacientes desaparecem do consultório logo após o início das sessões não estão
preparados para esse enfrentamento.
Outros levam anos até receber alta. E
há os que nem quando recebem vão embora, tal é o prazer de se autoconhecer, um
processo que não termina nunca. Desconfio que será o meu caso. Minha
psicanalista um dia terá que correr comigo e colocar um rottweiler na recepção
para impedir que eu volte. Já estou bolando umas neuroses bem cabeludas para o
caso de ela tentar me dispensar.
Analisar-se é aprender a narrar a si
mesmo. Parece fácil, mas muitas pessoas não conseguem falar de si, não sabem
dizer o que sentem. Para mim não é tão difícil, já que escrever ajuda muito no
exercício de expor-se. Quem escreve está sempre se delatando, seja de forma
direta ou camuflada. E como temos inquietações parecidas, os leitores se
identificam: “Parece que você lê meus pensamentos”. Não raro, eles levam textos
de seus autores preferidos para as consultas com o analista, a fim de que
aqueles escritos ajudem a elaborar sua própria narrativa.
Meus pensamentos também são
provocados por diversos outros escritores, e ainda por músicos, jornalistas,
cineastas. Esse intercâmbio de palavras e sentimentos ajuda de maneira
significativa na nossa própria narração interna. Escutando o outro, lendo o
outro, se emocionando com o outro, vamos escrevendo vários capítulos da nossa
própria história e tornando-nos cada vez mais íntimos do personagem principal –
você sabe quem.
Selton Mello, em entrevista, disse
que para algumas pessoas o programa pode parecer chato, pois é todo baseado no
diálogo entre terapeuta e paciente, e isso é algo incomum na televisão, que
vive de muita ação e gritaria. De minha parte, terá audiência cativa até o
último episódio, pois, mesmo não vivenciando os problemas específicos que a
série apresenta, todos nós aprendemos com os dramas que acontecem na porta ao
lado, é um bem-vindo convite a valorizar o humano que há em cada um. A introspecção
não costuma atingir muitos pontos no ibope, mas é a partir dela que se constrói
uma vida que merece ser contada.”
Texto escrito em
07 de outubro de 2012, para a Revista O Globo
¹Sessão de Terapia é uma série de
televisão brasileira produzida e exibida originalmente pelo GNT entre 1 de
outubro de 2012 e 19 de setembro de 2014, em 115 episódios divididos em três
temporadas.
Após cinco anos, retornou pelo
Globoplay em 30 de agosto de 2019.
É uma versão da série israelense
BeTipul, criada em 2005 pelo psicanalista Hagai Levi, que gerou a versão
estadunidense intitulada In Treatment, a mais conhecida internacionalmente.
Foi adaptada por Jaqueline Vargas,
com roteiros de Cadu Machado, Ana Luiza Savassi, Luh Maza, Ricardo Inhan,
Marilia Toledo e Emilio Boechat, sob direção de Selton Mello.