"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



domingo, 7 de novembro de 2021



Tenho os meus truques para despertar a felicidade em mim.

Um deles é cortar laranjas ou maçãs. Faço como a minha avó: eu tento tirar a casca inteira sem romper as voltas, em longas espirais.

É uma forma de recuperar a minha inteireza, a minha unidade. Ter algo em minhas mãos que não vai se quebrar. Lapidar uma joia do efêmero. Produzir instantes de beleza e arrebatamento do que seria jogado fora. Aproveito tudo. Parte serve para hidratar o corpo, parte vai para entreter a alma.

Eu a observava em minha infância sentado no banco alto da cozinha e admirava o quanto ela mantinha a concentração, como se o canivete fosse uma linha de costura - obstinada com a perfeição - rente ao miolo. Parecia que estava fazendo pontos em um machucado. Parecia que ela estava colocando a casca de volta, não a tirando.
Cortava ao redor, sem deixar que se partisse, iniciando o movimento de descida exatamente do cabo. Circundava a esfera lentamente, segurando a frágil saia com a outra mão.

Assim que ela terminava, me alcançava as rodas coloridas para brincar. Usava as argolas como alvo para tentar arremessar as bolinhas de gude dentro delas no pátio.

Os meus melhores brinquedos estão na estante de minha imaginação.



Quando eu era novinha, descascava a laranja com a casca inteira, 
sem quebrar, para girar falando o alfabeto. 
Na letra que ela arrebentasse, 
seria do nome com quem eu casaria.
Confesso que sempre dei uma ajudazinha para arrebentar 
na letra que eu queria.
#trapaça