Tenho os meus truques
para despertar a felicidade em mim.
Um deles é cortar
laranjas ou maçãs. Faço como a minha avó: eu tento tirar a casca inteira
sem romper as voltas, em longas espirais.
É uma forma de recuperar
a minha inteireza, a minha unidade. Ter algo em minhas mãos que não vai se
quebrar. Lapidar uma joia do efêmero. Produzir instantes de beleza e
arrebatamento do que seria jogado fora. Aproveito tudo. Parte serve para
hidratar o corpo, parte vai para entreter a alma.
Eu a observava em minha
infância sentado no banco alto da cozinha e admirava o quanto ela mantinha a
concentração, como se o canivete fosse uma linha de costura - obstinada com a
perfeição - rente ao miolo. Parecia que estava fazendo pontos em um
machucado. Parecia que ela estava colocando a casca de volta, não a tirando.
Cortava ao redor, sem
deixar que se partisse, iniciando o movimento de descida exatamente do cabo.
Circundava a esfera lentamente, segurando a frágil saia com a outra mão.
Assim que ela terminava,
me alcançava as rodas coloridas para brincar. Usava as argolas como alvo para
tentar arremessar as bolinhas de gude dentro delas no pátio.
Os meus melhores
brinquedos estão na estante de minha imaginação.
Quando eu era novinha,
descascava a laranja com a casca inteira,
sem quebrar, para girar falando o alfabeto.
Na
letra que ela arrebentasse,
seria do nome com quem eu casaria.
Confesso que sempre dei uma ajudazinha para arrebentar
na letra que eu queria.
#trapaça