É sabida a dor que advém de qualquer
separação, ainda mais da separação de duas pessoas que se amaram muito e que
acreditaram um dia na eternidade deste sentimento. A dor-de-cotovelo corrói
milhares de corações de segunda a domingo — principalmente aos domingos, quando
quase nada nos distrai de nós mesmos — e a maioria das lágrimas que escorrem é
de saudade e de vontade de rebobinar os dias, viver de novo as alegrias
perdidas.
Acostumada com esta visão dramática da
ruptura, foi com surpresa e encantamento que li uma descrição de separação que
veio ao encontro do que penso sobre o assunto, e que é uma avaliação mais
confortante, ao menos para aqueles que não se contentam em reprisar
comportamentos padrões. Está no livro “Nas tuas mãos”, da portuguesa Inês Pedrosa.
“Provavelmente só se separam os que levam a
infecção do outro até aos limites da autenticidade, os que têm coragem de se
olhar nos olhos e descobrir que o amor de ontem merece mais do que o conforto
dos hábitos e o conformismo da complementaridade.”
Ela continua:
“A separação pode ser o ato de absoluta e
radical união, a ligação para a eternidade de dois seres que um dia se amaram
demasiado para poderem amar-se de outra maneira, pequena e mansa, quase
vegetal.”
Calou fundo em mim esta declaração, porque
sempre considerei que a separação de duas pessoas precisa acontecer antes do
esfacelamento do amor, antes de se iniciarem as brigas, antes da falta de
respeito assumir o comando. É tão difícil a decisão de separar que vamos
protelando, protelando, e nesta passagem de tempo se perdem as recordações mais
belas e intensas. A mágoa vai ganhando espaço, uma mágoa que nem é pelo outro,
mas por si mesmo, a mágoa de se reconhecer covarde. E então as discussões se
intensificam e quando a separação vem, não há mais onde se segurar, o casal não
tem mais vontade de se ver, de conversar, quer distância absoluta, e aí se
configura o desastre: a sensação de que nada valeu. Esquece-se o que houve de
bom entre os dois.
Se o que foi bom ainda está fresquinho na
memória afetiva, é mais fácil transformar o casamento numa outra relação de
amor, numa relação de afastamento parcial, não total.
Se os dois percebem que
estão caminhando para o fim, mas ainda não chegaram no momento crítico — o de
se tornarem insuportavelmente amargos — talvez seja uma boa alternativa
terminar antes de um confronto agressivo. Ganha-se tempo para reestruturar a
vida e ainda se preserva a amizade e o carinho daquele que foi tão importante.
Foi, não. Ainda é.
“Só nós dois sabemos que não se trata de sucesso
ou fracasso. Só nós dois sabemos que o que se sente não se trata — e é em nome
deste intratável que um dia nos fez estremecer que agora nos separamos. Para lá
da dilaceração dos dias, dos livros, discos e filmes que nos coloriram a vida,
encontramo-nos agora juntos na violência do sofrimento, na ausência um do outro
como já não nos lembrávamos de ter estado em presença. É uma forma de amor
inviável, que, por isso mesmo, não tem fim.”
É um livro lindo que fala sobre o amor eterno
em suas mais variadas formas. Um alento para aqueles — poucos — que respeitam
muito mais os sentimentos do que as convenções.