Não se vive mais, só se
enterra. Por que tantas mortes? Já não havia como suportar a população dizimada
de Brumadinho, os dez adolescentes sacrificados no ninho do Urubu, as sete
vítimas do dilúvio do Rio, e, agora, mais essa lâmina cortando a nossa voz de
novo: morre Ricardo Boechat, 66 anos, um dos melhores jornalistas brasileiros,
três prêmios Esso, âncora da rádio BandNews FM, e do Jornal da Band, na TV
Bandeirantes.
Ele estava no helicóptero
que caiu sobre um caminhão na ligação do Rodoanel com a rodovia Anhanguera, em
São Paulo, nesta segunda-feira (11). Que provação é essa? Que privação é essa?
Assistimos a um interminável enterro, um insuportável transporte de caixões com
a bandeira brasileira. Caronte não para de carregar almas daqui. Brasil é Hades.
Como serão as nossas
manhãs sem a eloquência de Boechat? Ele falava bonito cada notícia, como se
estivesse recitando Fernando Pessoa, nunca perdendo a linha de raciocínio, sem
cacoete verbal: límpido pensamento sonoro.
Tinha uma máquina de
escrever entre os dentes. Soprava páginas e derrubava mitos e preconceitos.
Irônico, argumentativo,
combativo, um dos últimos adeptos da retórica do jornalismo. Defendia
exaustivamente as suas ideias e apenas se acalmava ao descascar as aparências
do poder e descartar todos os pontos de vista. Ganhava a discussão pelo fôlego
e pelas metáforas.
Qualquer um conhece
Boechat, da tevê ou do rádio ou do jornal (trabalhou nos jornais O Globo, O
Dia, O Estado de S. Paulo e JB e foi comentarista no Bom Dia Brasil, da TV Globo):
um aristocrata de cabeça lisa, com o olhar confiante e sedutor. Impossível
virar os olhos com ele em ação: hipnótico, convincente, impositivo.
Gostava de uma boa briga.
Envolvia-se em uma polêmica semana sim e outra também.
Era um duelista à moda
antiga, com um lenço dobrado no terno e ferro na lábia, daqueles que ainda se
dispunham a lutar para manter a honra e a palavra, custe o que custasse, em
confrontos intensamente emocionais contra os desmandos do país.
Até os desafetos
respeitavam a sua opinião. Até os adversários não deixavam de ouvir, ver, ler
Boechat. Até a morte deve ter pedido desculpa.
Meu Deus, o “nuvens” tá parecendo um obituário!