Acompanhei de longe a história de uma árvore
do bairro Jardim Botânico, no Rio. Uma amiga soube que ela iria ser derrubada
por motivos fúteis (não estava ameaçando a vida de ninguém) e se empenhou em
salvá-la. Primeiro ato: minha amiga subiu na árvore, que é como os ativistas
ecológicos defendem seu território, e só desceu de lá depois de conseguir
mobilizar a opinião pública - ou parte dela, representada por seus vizinhos e
amigos. Estava tudo correndo bem, até marchinha de Carnaval a árvore ganhou em
sua defesa e camisetas foram confeccionadas para angariar mais simpatizantes à
causa, mas não foi suficiente. A bonita árvore foi cortada, veio abaixo.
Esta não é uma crônica sobre consciência
ambiental, mas poderia ser. Não é uma crônica sobre os maus-tratos que a
natureza sofre e seus efeitos sobre a vida no planeta, mas poderia ser. Não é
uma crônica sobre a ideia canhestra de que só é válido se manifestar contra a
devastação de uma floresta, mas uma arvorezinha só, uma arvorezinha de rua,
essa não vai fazer falta a ninguém. Essa crônica poderia ser sobre a miopia de
só darmos atenção às tragédias coletivas, às tragédias televisionadas, sem nos
importarmos com os erros individuais e silenciosos que são cometidos embaixo do
nosso nariz. Mas não é sobre isso a crônica.
É sobre paixão.
Uma mulher declara-se apaixonada por uma
blusa. Ao comprá-la, resolve sua carência por 10 minutos. Logo se apaixonará
por um sapato, e assim vai tentando preencher seu vazio. Muitos são apaixonados
por chocolate. Outros são apaixonados por carro. Banalizamos o verbo, somos
todos apaixonados pelo que podemos consumir. Quantos ainda são apaixonados pela
vida?
Minha amiga me telefonou assim que cortaram a
árvore. Chorava. Chorava sua impotência, chorava sua desolação. Era só uma
árvore, e ela sentia como se fosse a morte de um parente. Ela havia defendido
um bem público, não era dona da árvore, a árvore era de toda a cidade, mas
alguém com uma motosserra embaixo do braço olhou para ela e disse: perdeu,
moça.
A paixão pela vida se manifesta, hoje, através
de alguns poucos Dom Quixotes urbanos. O cara que usa dinheiro do próprio bolso
para montar uma peça de teatro, o atleta com deficiência física que compete nas
paraolimpíadas, o motorista que dá carona no seu carro aos que percorrem o
mesmo trajeto que ele, os que recusam propostas milionárias para ter mais tempo
livre a fim de se dedicar ao que interessa de fato. E o que interessa de fato?
Família, amigos, amor, arte, natureza e algum idealismo, mesmo que esteja fora
de moda. É só pelo que vale brigar.
Mas as pessoas brigam por uma geladeira em
liquidação, brigam por uma vaga no estacionamento, brigam dentro da escola,
brigam por miudezas e quando vencem, não ganham nada. Brigar por uma árvore é
ao menos poético. Perdeu coisa nenhuma, minha amiga.