“A respiração dela se descontrolava
quando ele comandava as reuniões semanais.
As mãos tremiam quando ele aparecia de
repente ao seu lado, na máquina de café, e nunca tinha trocado. Ela prontamente
emprestava as moedas. Depois voltava para a sua baia e se perguntava se não foi
demasiadamente solícita.
Às vezes quando, coincidentemente,
subiam no mesmo elevador para o escritório, o mundo parava.
No andar da firma, cada um para o
lado, e ela lamentava não trabalharem perto do céu, para a viagem do elevador
durar a eternidade.
Ouvia dizer no happy-hour que ele era
um galinha e catou algumas estagiárias, secretárias e duas advogadas.
No analista, perguntou se aquela
paixão que nascia pelo chefe não era uma óbvia transferência edipiana.
Tudo nele era perfeito.
Atencioso e solteiro!
Sua gravata que combinava, seu sapato
sempre engraxado, sua caneta Montblanc reluzente, o Rolex no pulso, como um
executivo, para seus padrões, de bom gosto.
Inteligente, rápido, poliglota, sabia
usar o pretérito mais-que-perfeito com precisão.
Costumava passar os fins de semana
fazendo o quê? Velejando, claro.
A paixão aumentava, sufocava:
insônias. Análises minuciosas de cada e-mail trocado profissionalmente, de cada
comentário solto em reuniões, para desvendar se ele também sentia algo por ela.
Até procurar um milagreiro que
anunciava em folhas coladas nos postes de luz da Marginal, garantindo que, por
um preço barato, conseguia enlaçar qualquer paixão não correspondida.
Ela confessou todo o seu desespero
para o mago de moletom e camisa do Corinthians, que atendia numa portinhola de
uma galeria do Centro.
Nada a perder.
A consulta durou 15 minutos.
Ele deu apenas uma poção em gotas, num
invólucro sem nada escrito ou data de validade, e garantiu: “Coloque dez gotas
no café dele e terá seu homem garantido até o fim dos dias.”
Charlatão? Toda pinta. Mas cobrou
apenas dez reais pela consulta.
O “veneno” incluído. Exigiu que
retornasse em dois meses.
O plano foi traçado. Ela sabia do
horário em que o metódico chefe passeava pelas baias, e como era o seu café.
Postou-se ao lado da máquina com as moedas em mão.
Quando ele se aproximou, ela enfiou as
moedas, colocou não dez, mas 20 gotas no copo que a máquina despejou. O chefe
então a cumprimentou, descobriu-se sem troco, e ela ofereceu o seu café
recém-expelido, ele recusou, ela insistiu.
Ele tomou, não sentiu nada e partiu
para a sua ronda.
No dia seguinte, ela recebeu e-mails
confusos dele, como de um bêbado em transe.
Não respondeu.
Então, apareceu o chefe na sua baia,
com um bombom, ficou ao seu lado e se esqueceu do que iria perguntar e de dar o
bombom.
No dia seguinte, a convidou para um
almoço. Num hotel. Com vista para a cidade.
Enquanto subiam para o restaurante,
ele apertou outro andar. Segurou na sua mão. Desceram antes num corredor cheio
de portas e quartos.
Tudo calculado. Reserva já feita.
Chave no bolso. Abriu a porta, entraram.
Foi o melhor sexo de suas vidas,
confessaram.
Os encontros se tornaram diários.
Jantares entraram para a agenda. Almoçavam, jantavam, transavam. Surgiram as
caronas. Ele a pegava de manhã. E a levava à noite.
Primeiro foram flores. Vieram perfumes
franceses, anéis, colares, relógios.
O chefe mudou a mesa dela para a sua
sala. Dizia que não conseguia ficar mais de um minuto sem ela por perto.
Beijavam-se em todos os cantos. Ligava-lhe de madrugada, só para ouvir a sua
voz.
E nos fins de semana lá ia ela velejar
e vomitar com o balanço do mar. Grudados, não havia mais folga. Ele se mudara
para a casa dela. Tomavam banhos juntos. Liam os mesmos livros, jornais,
revistas, ouviam as mesmas músicas.
Não cabiam mais flores no apartamento,
joias nas gavetas, relógios no pulso. Até no cabeleireiro ele ia e esperava,
lendo revistas femininas antigas.
Se saía com as amigas, ele ia junto.
Se visitava a família, lá estava ele, de mãos dadas, colado.
Dois meses se passaram.
O retorno da visita ao milagreiro.
Ela apareceu na hora marcada, aflita,
estressada.
O novo namorado e ainda chefe a
esperou na porta.
Quando o mago a viu, disse o que ela
queria ouvir:
“Então, veio buscar o antídoto, não
aguenta mais?”
Ela teve vergonha de exprimir seu
enjoo e arrependimento.
O curandeiro lhe deu outra poção. Num
vidrinho de gotas.
E disse: “Pois agora, são outras dez
gotas. Mas desta vez, custará duzentos mil.”
Ela pagou. ”
__Marcelo Rubens Paiva
#dia do homem