Em minhas viagens pelo interior de Minas, conheci pessoas felizes sem motivo nenhum, sem nenhum contexto favorável, sem evento para comemorar.
Algumas delas tinha
perdido a casa e moravam de favor em lar de parente, outras tinham perdido um
filho, que é a maior dor que existe. Também vi quem não tinha emprego e se
especializava em bicos. E quem já se desgarrou precocemente de um grande amor.
E quem havia engravidado na adolescência e se dobrava para ser criança e cuidar
de uma criança ao mesmo tempo. E quem fazia uma refeição por dia. E quem
sustentava oito bocas com bolsa família.
E todas estampavam um
sorriso irritante no rosto, um sorriso implacável entre as bochechas.
Conversaram mineirês bonito como se nada de grave tivesse acontecido. Não
amaldiçoavam o destino, não praguejavam a ausência de notícias boas, não
ironizavam as adversidades.
Eram felizes por ninharia,
por besteiras, por bobagens. Riam à toa, produzindo em mim um espanto. De onde
vinha esse prazer do mais completo deserto de pretextos? De onde surgia essa
euforia desprovida de fundamento?
Elas demonstravam um
gosto de viver que não se arrochava pelas contrariedades ou pela escassez de
esperança. Quase como bêbados do seu próprio sangue.
Haviam sido humilhadas,
constrangidas, apequenados pela sua condição social e não se entregavam.
Mantinham uma resiliência milagrosa e absurda no humor e que colocava em xeque
o que julgava como certo e definitivo.
Elas me recebiam em suas
residências arroiadas e apertadas, tirando objetos do velho sofá, para me dar
um espaço (o sofá é estante na pobreza), e me ofereciam um café açucarado para
brindar a manhã. Galinhas e cachorros transitavam livremente, com nenhuma
distinção entre o quintal e o teto.
Mesmo possuindo pouco, me
convidaram para almoçar dizendo “espia só: o que dá para um dá para dois”. A
oferta não se resumia a uma educação vazia, como se eu não fosse aceitar, mas a
um acolhimento genuíno de quem valoriza uma visita. Ainda que só restasse um
pão de ansdionte, que poderia ser fritado na manteiga de garrafa com naco de
linguiça. Bóia para cumê di capitão, dispensando os talheres e os modos de
longe da cidade grande, para não me fresquear, não fingi di égua.
E quando me despedia,
ainda insistia-se para que ficasse mais um tanto: “Cadiquê ocê tá indo?”
Ao andar de volta para o
carro, via os acenos de longe. Como se eu fosse inesquecível.
Foi quando percebi que a
felicidade não é um objetivo a ser alcançado, não é conforto ou estabilidade,
não é uma meta, não está fora de nós. A felicidade é uma virtude. Tal qual a
generosidade, tal qual a paciência.
Não temos que encontrar a
felicidade em estímulos externos, mas trazê-la dentro de nossas crenças. Ela
não significa um prêmio ou uma recompensa, porém o que nos motiva a resistir.
Ocê é ou não é feliz,
mais do que ocê está ou não está feliz. Felicidade é ser mais do que estar.
Mesmo soterrado pelo mundo, ainda se mantém o contentamento de se gostar do
jeito que for possível. O miúdo é infinito.