"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



quarta-feira, 22 de setembro de 2021



Em minhas viagens pelo interior de Minas, conheci pessoas felizes sem motivo nenhum, sem nenhum contexto favorável, sem evento para comemorar.

 

Algumas delas tinha perdido a casa e moravam de favor em lar de parente, outras tinham perdido um filho, que é a maior dor que existe. Também vi quem não tinha emprego e se especializava em bicos. E quem já se desgarrou precocemente de um grande amor. E quem havia engravidado na adolescência e se dobrava para ser criança e cuidar de uma criança ao mesmo tempo. E quem fazia uma refeição por dia. E quem sustentava oito bocas com bolsa família.


E todas estampavam um sorriso irritante no rosto, um sorriso implacável entre as bochechas. Conversaram mineirês bonito como se nada de grave tivesse acontecido. Não amaldiçoavam o destino, não praguejavam a ausência de notícias boas, não ironizavam as adversidades.


Eram felizes por ninharia, por besteiras, por bobagens. Riam à toa, produzindo em mim um espanto. De onde vinha esse prazer do mais completo deserto de pretextos? De onde surgia essa euforia desprovida de fundamento?


Elas demonstravam um gosto de viver que não se arrochava pelas contrariedades ou pela escassez de esperança. Quase como bêbados do seu próprio sangue.


Haviam sido humilhadas, constrangidas, apequenados pela sua condição social e não se entregavam. Mantinham uma resiliência milagrosa e absurda no humor e que colocava em xeque o que julgava como certo e definitivo.


Elas me recebiam em suas residências arroiadas e apertadas, tirando objetos do velho sofá, para me dar um espaço (o sofá é estante na pobreza), e me ofereciam um café açucarado para brindar a manhã. Galinhas e cachorros transitavam livremente, com nenhuma distinção entre o quintal e o teto.


Mesmo possuindo pouco, me convidaram para almoçar dizendo “espia só: o que dá para um dá para dois”. A oferta não se resumia a uma educação vazia, como se eu não fosse aceitar, mas a um acolhimento genuíno de quem valoriza uma visita. Ainda que só restasse um pão de ansdionte, que poderia ser fritado na manteiga de garrafa com naco de linguiça. Bóia para cumê di capitão, dispensando os talheres e os modos de longe da cidade grande, para não me fresquear, não fingi di égua.


E quando me despedia, ainda insistia-se para que ficasse mais um tanto:Cadiquê ocê tá indo?


Ao andar de volta para o carro, via os acenos de longe. Como se eu fosse inesquecível.


Foi quando percebi que a felicidade não é um objetivo a ser alcançado, não é conforto ou estabilidade, não é uma meta, não está fora de nós. A felicidade é uma virtude. Tal qual a generosidade, tal qual a paciência.


Não temos que encontrar a felicidade em estímulos externos, mas trazê-la dentro de nossas crenças. Ela não significa um prêmio ou uma recompensa, porém o que nos motiva a resistir.


Ocê é ou não é feliz, mais do que ocê está ou não está feliz. Felicidade é ser mais do que estar. Mesmo soterrado pelo mundo, ainda se mantém o contentamento de se gostar do jeito que for possível. O miúdo é infinito.