Desde a minha infância
até hoje, quando chega o feriado de Tiradentes, o que me vem à mente é o quadro
Tiradentes Esquartejado, de Pedro Américo. Vi a foto dessa pintura na escola,
em algum livro de História, e fiquei fascinado. Tiradentes, ou o que resta dele,
está pregado no próprio cadafalso onde morreu enforcado. A cabeça, de barba e
cabelos ruivos, está no tablado do patíbulo. Ao seu lado há um crucifixo com
Jesus agonizando, e até parece que os dois, Jesus e Tiradentes, são iguais, são
a mesma pessoa.
Abaixo, nos degraus, está
deitado o torso, com um braço, o direito, pendente. E no flanco direito foi
pregada e amarrada uma perna de Tiradentes.
A cena é fortíssima. Eu,
pequeno, não fiquei enjoado ou enojado ao vê-la. Nem me causou revolta com a
injustiça cometida com o herói. Apenas cogitei: por que esquartejaram
Tiradentes depois que ele morreu? Precisava? E por que Pedro Américo pintou
esse quadro horripilante? Ele queria chocar o observador?
Pedro Américo pintou
outro quadro impactante: o da proclamação da Independência, com Dom Pedro I em
seu cavalo, cercado de outros cavaleiros, gritando “independência ou morte!”. A
pintura é tão poderosa, que também penso nela quando se aproxima o 7 de
Setembro.
Gosto de pintura, sou um
leitor da história da arte, mas não sou entendido, longe disso. Então, o que
gostaria de saber é: por que Pedro Américo não está incluído entre os grandes
da pintura mundial? Uma questão de estilo ou o quê? Não compreendo.
As obras de Pedro Américo
são bem parecidas com as daquele francês com nome bonito, Jacques-Louis David.
Tanto que, quando leio ou penso na coroação de Napoleão, a imagem que me vem à
cabeça é um quadro de Jacques-Louis David, com Napoleão coroando Josefina.
Há outras pinturas
célebres de David, como a de Napoleão empinando seu cavalo branco, desafiador,
bravo, vencedor. Ah, e ainda tem A Morte de Marat, que é quase tão marcante
quanto o Tiradentes Esquartejado. Marat, um dos três líderes da Revolução
Francesa, está nu na banheira, apenas com uma toalha enrolada na cabeça. Seu
braço direito está caído para fora e o esquerdo segura uma folha de papel, a
última que ele leu.
Marat passava o dia na
banheira. Não por excesso de higiene ou TOC. É que, certa vez, ao fugir da
polícia, ele se refugiou nos esgotos de Paris e a água imunda e fétida,
habitada por gordas ratazanas francesas, lhe causou uma doença de pele que
provocava coceiras insuportáveis o dia inteiro. Para se aliviar, Marat enchia a
banheira de água e lá se sentava. Atendia todos os solicitantes assim, e assim
foi morto a punhaladas por uma moça que o odiava porque ele mandou o irmão dela
para a guilhotina.
Ou seja: esses artistas
tornaram viva a História. Você contempla um quadro deles e parece que viajou na
máquina do tempo. Como um diretor competente de um filme, eles transformam o
que é relatado ou escrito em realidade.
Não é qualquer um que tem esse poder. O pintor precisa imaginar a cena e reproduzi-la de modo verossímil. A pessoa olha para o quadro e conclui: “Foi assim que aconteceu”. Isso só se dá quando o artista insere na pintura elementos que estão no inconsciente coletivo. Ele tem de ser muito bom para conseguir isso. Pedro Américo conseguiu. Por que não está luzindo entre os grandes? Sei bem: porque é brasileiro e os brasileiros não festejam como deviam seus homens de talento e bravura. Ainda escrevo um livro: Os Talentos Desprezados do Brasil. Vou superar o Peninha em vendas, mas, como compensação, talvez o cite num rodapé. Ele não chega a ser um herói, mas já cometeu suas façanhas. Aguarde que em breve revelarei quem são ou outros grandes homens esquecidos do Brasil.