Eu te
permito não gostares do mesmo que eu gosto.
Permito
que não tenhas os mesmos temperos em teu almoço, que não leias os mesmo livros
que eu leio ou te banhes nos mesmos mares de conhecimento nos quais mergulho.
És livre para que deixes tocar nos teus ouvidos a música que não me toca.
Teu
prazer é teu e não deves condicionar quem és pelos meus gostos.
Não
há maior desrespeito que tiranizar o prazer ou o desprazer da sensibilidade
alheia. Entretanto posso falar-te dos meus gostos e ajudar-te a me compreender
com meus prazeres, tão legítimos quanto os teus.
Eu te
permito ter os amigos que tens, mesmo que eles me causem aversão ou espanto.
Nossos corações se alimentam da comunicação e da energia que brotam de outras
vidas, mas não precisam ser das mesmas vidas. Meu alimento relacional pode ser
diferente do teu.
Querer
afastar-te dos teus queridos, seria arrancar-te a liberdade de teres os exatos
amores que te abastecem. Estaria te condenando a certa inanição e me condenando
a suprir-te de uma nutrição afetiva que nunca terei como ofertar. Mas posso
dizer, com respeito, o que penso sobre os que te acompanham, emprestando-te
meus sentidos, e deixando que a decisão sobre quem come pão contigo seja tua.
Eu te
permito creres no que quiseres e não creres naquilo que é sagrado para mim.
Teus
rituais são teus e teus são os anjos, e mesmo os demônios, que escolhestes para
abençoar ou assombrar tua vida. Também é teu o teu ceticismo. Se tens amuletos
estranhos no corpo, ideias bizarras na mente e conceitos rígidos no coração,
que nunca saiam de minha boca adjetivos que os diminuam. Afinal, a estranheza e
o juízo de bizarro e de rígido são a demonstração da estreiteza da minha
percepção, que encolhe tua complexidade para alcançar-te com minha diminuta
capacidade de compreensão. Mas posso apresentar-te, com carinho, as minhas
convicções, possibilitando novas cores em tuas paisagens mentais.
Eu te
amo e te respeito, mesmo que estejas distante em pensamento, ideias, crenças,
gostos, amizades e quereres. Talvez eu te ame justamente pelo fato de seres tão
dessemelhante de mim.
Não
preciso tornar-me quem és e nem transformar-te naquilo que sou para que nosso
amor aconteça. É bom olhar-te como um não-espelho, é bom ser sensível aos
nossos múltiplos paradoxos. E é bom que saibas que para que sejas quem és, de
fato, nunca precisastes da minha permissão.
A
afeição mais autêntica não ocorre na fusão, e sim quando os dois diferentes se
unem para ser exatamente isso: um e outro.
Kau Mascarenhas