É difícil, mas essa hora
sempre chega: a de abandonar, deixar partir. Quando começa, confiamos que tudo
será cristalino e empolgante. Fazemos o nosso melhor e acreditamos que nada,
nenhum outro irá superá-lo. As ideias deslizam, o olhar brilha, mal controlamos
o sorriso no rosto: está dando certo. Está funcionando. Você não sabe direito
aonde irá chegar, mas já sente o imenso prazer em debulhar suas emoções sem
pudor, dividir suas reflexões, abusar da argúcia, do humor, e se congratula:
está correndo melhor do que o esperado.
Aí acontece.
De uma hora para outra, a
magia embesta de falhar. Acho que foi quando você se levantou para buscar um
copo d´água na cozinha. Ou talvez você não devesse ter tido o ímpeto de
interromper o que está fazendo para descer até a garagem, só porque havia
esquecido a máscara no console do carro. Você volta para o apartamento e ele
não parece mais o mesmo. Como é que uma impressão muda tão rápido? Você não
deveria ter se mexido, saído do lugar, mas ninguém pode ficar refém de uma atenção
plena. Telefones tocam, uma amiga chama, alguém distrai você com outro assunto,
e quando você tenta retomar de onde estava, ele já não se parece com o jeito
que era.
A noite cai e você vai
dormir, descansar. É provável que tenha sido apenas um pressentimento que
sumirá ao amanhecer.
Mas o dia amanhece, e a
realidade se sobrepõe às ilusões. Nada se mantém com o frescor do início, você
já deveria saber. É mais uma relação que, como todas, dará trabalho. Você usará
uma palavra que não caiu bem e terá que voltar atrás. Você insistirá, teimosa,
numa ideia que não será bem compreendida. Você se sentirá desestimulada e
cogitará não levar a história adiante, pensa em começar algo totalmente
diferente, mas depois repensa: já chegou até aqui, investiu tanto tempo, vai
dar tudo certo no final. E insiste mais um pouco.
Você gostaria que fosse
perfeito, mas a perfeição é uma medida só almejada pelos tolos, você sabe
perfeitamente disso, você, inclusive, declara isso aos sete ventos, por que
então essa insistência em tentar corrigir até os detalhes insignificantes? Ele
se tornou quem é, por mais que você ainda tente mudá-lo. E ele precisa ir ao
encontro de outros olhos, você não pode mais retê-lo. Acabou. Aceite. Deixe-o
partir.
É mais ou menos assim,
caro leitor, que me relaciono com cada texto que escrevo. Chega a hora em que é
preciso abandoná-lo, ou perderei o prazo de entrega para o jornal. Não é fácil,
sempre fica no ar a sensação de que eu poderia ter me esforçado mais. E só no
fim de semana seguinte, quando o reencontro alheio a mim, em meio a outros, é
que descubro onde foi que eu errei.