Ela tem algo em torno de
70 anos, mas parece menos, como é comum hoje em dia. Dinâmica, é daquelas
mulheres de personalidade que sabem conduzir uma boa conversa. No entanto,
passei a reparar que suas opiniões, outrora expressadas de forma elegante,
entraram no estágio “faca na bota”.
Ela mesma deu a pista
sobre o que estava acontecendo, depois de ter feito um comentário certeiro,
porém bastante duro a respeito de uma amiga: “Agora eu falo mesmo, tenho idade
pra isso”.
Esse episódio me voltou à
lembrança quando li recentemente a notícia de que o ator Gerard Depardieu não
acatou o pedido de uma comissária de bordo para que ele aguardasse a decolagem
antes de ir ao banheiro: ele simplesmente urinou no corredor da aeronave,
diante de outros passageiros.
Se estava tão apertado,
deveria ter entrado no banheiro mesmo assim, ninguém iria segurá-lo à força,
mas partir para a provocação me pareceu arrogante, a mesma arrogância que tenho
percebido em pessoas que, diante da maturidade mais que estabelecida, julgam-se
acima do bem e do mal.
Conheço pessoas de 85 e
até de 90 anos que, se não esbanjam saúde, seguem firmes e fortes sobre as
próprias pernas e com a cabeça igualmente funcionando bem. Aquela caricatura
dos avós de cabelo branco, com as costas arqueadas, arrastando os pés e
extremamente rabugentos é apenas isso, uma caricatura. Vovós, hoje, estão tendo
que apresentar a carteira de identidade no caixa do banco para provar que têm
direito a fila especial.
Ainda assim, a idade
manda recado. Os joelhos já não reagem como se espera, a memória fica difusa,
as chances de ser olhado com algum desejo pelo sexo oposto caem drasticamente e
o futuro, bem, o futuro não é mais representado por uma infinita highway, e sim
por uma estradinha de tiro curto e com placas avisando: atenção, curva
perigosa.
O maior benefício de ter
vivido tanto é, de fato, a sabedoria acumulada. Só que alguns optam por jogá-la
na cara dos outros com as palavras mais afiadas que encontram, como se a
sabedoria fosse um instrumento de desforra.
O caso do ator francês é
diferente, não há sabedoria nenhuma na sua transgressão, mas é outra amostragem
do “dane-se” que acomete muita gente madura. Ao alcançar uma idade avançada,
parece que a elegância deixa de ser essencial para o convívio. Depois de ter
passado a vida obedecendo regras e sendo cordato, o sujeito sente-se autorizado
a fazer a macaquice que quiser – como faria o adolescente que ele já foi.
De minha parte, não me
vejo na iminência de rodar a baiana por direito adquirido com a idade, mas vá
saber daqui a alguns anos. De boa moça a bruxa azeda, a transformação pode se
dar do dia pra noite. Basta um convite para confrontar-se com a própria
finitude.