"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



segunda-feira, 24 de agosto de 2020



Uma amiga nossa faleceu essa semana depois de alguns anos lutando contra o câncer. O que vamos nos lembrar da Pri é como ela estava sempre sorrindo. Ela tinha um daqueles sorrisos abertos. A gente via todos os dentes, a gente via os olhos sorrindo junto. A gente sentia o sorriso da Pri quando ela nos olhava e sentia uma vontade incontrolável de sorrir junto. A Pri era uma dessas pessoas que deixava o mundo mais feliz. Quando a conheci, já lutava contra um câncer agressivo, alternava dias muito ruins com dias um pouco melhores. Mas sorria o tempo todo. Um sorriso que iluminava o recinto. Nos disseram que ela sorriu até o fim.

“Amor fati”, como diziam os filósofos. Amor ao que me acontece. Amor ao meu destino. Receber tudo o que me acontece com amor. Não somente tolerar aquilo que me acontece. Não apenas suportar aquilo que me acontece. Amar o que me acontece. Seja bom ou seja ruim. Amar aquilo que me acontece. Um beijo. Um acidente. Um romance. Uma doença. Um filho. Uma perda. “Eu amo isso”, eles diziam. “Eu amo o que me acontece”. “Isso vai me deixar melhor”. “Eu amo tudo o que acontece comigo”. Na vida, não controlo as coisas, mas controlo como respondo à elas. Posso responder com raiva, ou com um sorriso. Um sorriso verdadeiro, que ilumina o recinto.

Por quanto tempo ainda vou reclamar daquilo que não controlo? Da chuva, do trânsito, dos outros? Que diferença faz? Não controlamos as coisas da vida, controlamos apenas como respondemos quando as coisas acontecem. O que faremos quando algo bom acontecer? O que faremos quando algo ruim ocorrer? Quando alguém faz algo que não gostamos? Quando o imprevisível acontece? O que faremos quando descobrirmos uma doença? Não controlamos o que nos acontece. Controlamos apenas a resposta que damos para o que nos acontece.

Acho a morte um desaforo. Um atrevimento. Dói quando alguém que faz bem ao mundo se vai. Gostaríamos que não tivessem existido, portanto? Claro que não. Os bons, quando morrem, nos lembram do que podemos ser. Se você ama alguém, um dia irá se despedir. Seria melhor não amar, portanto? Claro que não. O amor é o sentido da vida. Cada pessoa que amamos é um presente emprestado, mais cedo ou mais tarde se vai. Um dia seremos nós. Que se lembrem de nós como lembramos da Pri. O mundo era um lugar melhor com ela. Os que ficaram terão que ser um pouquinho melhores daqui por diante.