Café da manhã, marido e
mulher juntos, com o péssimo hábito de ver notícias. De vez em quando, um de
nós se propõe a não ligar mais, tentar se alienar, muito mais saudável.
Infelizmente não dá: somos habitantes deste planeta, as dores de todos são de
todos de alguma maneira, a não ser que a gente seja da turma dos fúteis e
desligados. E isso não se escolhe: a gente é, por nascimento e formação.
A mim me dói a menina
estuprada, engravidada, posta sob a luz de holofotes irresponsáveis e tendo de
fugir da sua cidade, amigas, família, para preservar alguma identidade.
A mim me machuca a dor de
cada morador da Beirute que nunca visitei; a tristeza de cada neozelandês que
vê desfeito o sonho de corona nunca mais.
A mim me aflige a
ansiedade de cada aluno e pai de escolas e faculdades americanas que já
reabriram suas salas e agora têm centenas de alunos, professores e funcionários
contaminados ou em quarentena.
A mim me entristece e
preocupa o Brasil, onde quase celebramos que um dia em vez de 1,2 mil mortos
temos apenas 980. Talvez eu tenha dificuldade com a realidade: faz parte um
pouco do folclore sobre escritores, poetas, artistas em geral.
ENGANO: sofrer com as
realidades do mundo dos outros, das pessoas próximas, não é fantasia de
artista: é a realidade que morde nosso calcanhar e sangra nosso coração.
Sim, parece que mortes
pelo corona estão diminuindo um pouco por aqui. Aconteceu em países da Europa,
na Nova Zelândia, na Austrália e em outros... apenas para tudo piorar quando se
liberaram de novo as aulas, os bares, as praias, as lojas.
Não me considero sombria
nem pessimista, mas me pergunto insistentemente: o que devemos fazer? Como
proceder? Como escapar dos gurus, dos profetas, dos céticos ou dos
irresponsáveis alegrinhos?
Não sei. Receio que
ninguém saiba. Temo que a Peste do século 21 vai se desgastar por si, cansada
de devorar humanos de todas as idades, de afastar grupos e famílias, de
interromper carreiras e projetos, enfim fatigada com nossa incompetência,
leviandade, fraqueza, falta de comando e seriedade... e, mesmo onde isso
existiu, entediada com sua própria terrível força, imprevisibilidade e manobras
sinistras.
Sim, hoje não estou nem
poética, nem agradável, mas cansada, furiosa com tanto palavrório falso e
danoso, quando milhares de pessoas ainda adoecem, muitas morrem, centenas de
brilhantes cientistas do mundo inteiro se esforçam de maneira quase
sobre-humana, médicos e enfermeiras se sacrificam e adoecem, enquanto uma parte
de nós, pobre humanidade, pensa em festa, praia, passeio, reunião com a turma e
viagens.
Desculpem, hoje não estou
achando graça de muita coisa, exceto talvez da neve e da geada que recobrem e
embelezam os gramados do meu Bosque em Gramado, onde escolhi não estar neste
frio extremo: o vírus tem alguma autoridade sobre esta eterna rebelde: eu
escolho a vida, se puder. Minha circunstância me pede isso.