Minha mulher gosta de
miojo. Ela compra pacotes escondidos de mim e armazena longe da despensa para
não localizar. Descobri o seu esconderijo esses dias, está no armário da
louça para as visitas.
Eu odeio aquela massa
pronta, blocada, unidos venceremos, que desce no prato toda grudada, e com
aquele sachê de tempero que é como mastigar a seco um tablete de caldo de
carne. Não poderia ser mais artificial.
Mas sei que o miojo para
a minha mulher é mais do que um prato, é a lembrança de sua infância, é um
símbolo do parto de sua independência, quando preparava a sua comida pela
primeira vez sem se preocupar com ninguém.
Miojo é solidão. É
recuperar um tempo ido, um tempo de prazer secreto e acolhimento. Por isso é
uma refeição egoísta, para uma porção apenas. É o equivalente a partilhar
uma coxinha ou oferecer um pão de queijo a uma dentada.
Há alguns momentos em
que a Beatriz será solteira dentro de nosso amor. E não é que me ame menos
ou que deixou de estar casada, é que naquela sagrada horinha está se amando
mais do que me amando.
Não devo nunca sentir
ciúme do seu amor-próprio.
Não tenho o direito,
diante de uma evocação sincera, de estragar o feitiço de sua hipnose, esconjurá-la dizendo que
não conta como janta, agredir a nebulização borbulhante da panela,
amaldiçoar a sua alegria antiga.
É necessário dar
espaço dentro da relação para as manias infantis de cada um. São
passatempos importantes, apegos intuitivos, para a saúde mental.
Para o bem da
convivência, faça vista grossa diante dos chicletes ou jujubas ou salgadinhos
ou pastilhas de chocolate ou bombons colocados no fundo do carrinho de
supermercado.
Não mate a criança
dentro do adulto.
Eu mesmo quando preciso
me religar à alegria de viver devoro aquelas batatas chips em lata. E fico
imensamente chateado ao dividi-las. Prefiro que seja absolutamente solitário,
na frente da televisão, com a realeza crocante do surto, e com o luxo de
entornar os farelos ao final.