Certa vez, fiquei
observando meu pai brincar com meus sobrinhos. Espantada, não era o meu pai que
eu via: era o meu avô, o pai dele. O mesmo aconteceu outro dia em que minha mãe
sovava a massa do pão: era a mãe dela que eu enxergava, com toda sua força e
alegria na cozinha.
Rubem Alves escreveu uma
crônica pro seu neto Tomazinho quando este ainda estava aprendendo a falar. No
texto, o escritor conta que o menino adorava brincar de cavalinho sentado sobre
as pernas do avô: “você brinca de cavaleiro, meus braços segurando os seus,
você rindo, querendo sempre mais, e eu cantarolando uma canção que sua bisavó,
a Oma, cantava para os netos, em alemão”.
Quando somos crianças,
não temos noção de que nossos avós não são eternos. E o tempo passa tão rápido
que, de repente, não temos mais os nossos avós por perto. Mesmo com eles ainda
vivos, nossa correria diária cheia de compromissos muitas vezes nos faz adiar
visitas e reencontros.
Até que um dia surge uma
vontade inesperada de comer aquele bolo de laranja gostoso que só a vovó sabia
fazer. Rubem Alves sabia disso, ele deixou para o seu neto esta mensagem: “se
você tiver vontade de andar a cavalo é porque estará com saudade da perna do
seu avô…”.
Hoje eu não tenho mais
uma casa de avós para visitar. Infelizmente, os quatro já se foram. Mas os
visito constantemente nas minhas saudades. Na casa dos avós podia tudo, mesmo
quando eles ficavam bravos com os netos. Lá a gente brincava de “gato mia”,
subia no telhado, entrava no jardim. Pegava hortelã e cebolinha da horta para
fazer comida para as bonecas. Molhava o pão com manteiga no leite com café.
Achava os chocolates escondidos no armário. Brincava com o galinho do tempo que
ficava na estante da sala — aquele que mudava de cor dependendo da umidade.
Hoje é fácil perceber
como não importava se a vovó trocava o nosso nome ou se o vovô não tinha
condições de nos dar um presente caro. Como também não importava se chovia ou
se o tempo estava seco (se o galinho estava rosa ou azul). Naquele tempo de
ternura, travessuras e simplicidade, o que importava era o colo caloroso de
nossos avós. Aquele era o jeito deles brincarem de cavalinho conosco.
Repare como o amor de
nossos avós supera o tempo e a distância; eles também vivem em nossos pais.
Olhe o seu pai brincando com seus filhos: é o pai dele se divertindo com você e
seus irmãos. Observe sua mãe preparando o almoço: é a mãe dela abençoando a
cozinha.
De geração em geração, a
vida dá seu testemunho: os avós não morrem. A memória do que foi bom e bonito
permanece nas partidas de baralho e nas pescarias, no sorvete de groselha e nos
sonhos de goiabada, nos panos de pratos bordados por nós e nas histórias que
passamos para frente.
Rebeca Bedone