Alguém vai sorrir e dar
de ombros ao ler este título: amor simples? Bah.
Se tudo na vida é
complicado, o amor tende a ser isso, multiplicado e múltiplas vezes. Ou não?
Depende do amor, do tempo, do casal, das circunstâncias. Hoje em dia, casais e
famílias encerrados na pandemia, muitos amores se renovam, outros se veem
estilhaçados, o anel que me deste se quebrou.
Não sei se tenho muitas
amizades firmes e fortes hoje em dia. Algumas se foram porque a Senhora Morte
as levou, e de várias nunca me recuperei. Outras, uma, duas, simplesmente
sumiram sem um adeus e, depois de algum tempo de perplexidade, desisti. Muitas
ficaram e outras surgiram, tenho a sorte de ter aquelas amizades da vida
inteira, e algumas novas, que são sempre um refrigério, renovação e aprendizado.
Nesta fase de reclusão,
que vai me cansando e enlouquecendo muita gente, nunca tanto valorizei a
internet, o Whats, o Instagram, o Face, pontos de encontro, troca de recados,
afetos, debates, risos e também tristezas.
Quando pequena, eu tinha
poucas amigas reais: não se usava muito isso de dormir ou comer na casa dos
outros, não havia praticamente vizinhas da minha idade. Mas eu tinha amigos
imaginários, de que já falei: uma família inteira. Familinha, diminutos,
vestidos de verde, chapeuzinho pontudo. Eu os sentava no peitoril da janela e
conversava com eles. Imaginação infantil, ou de verdade gnomos benfazejos?
Criança enxerga o que adultos há muito deixaram de ver.
Na escola comecei a
entender amizade e coleguismo. Afinal já podia visitar amigas e elas vinham à
minha casa. Sempre havia as mais ligadas em mim e as mais ligadas entre si: eu,
em geral a mais novinha e maior, mais pateta para muitas coisas, ficava um
pouco de fora. Mas adorava dançar de mãos dadas no pátio da escola, cantiga de roda,
sobretudo - ao entardecer nos dias de calor - na calçada de casa. Outros
tempos. Quando, já escurecendo, a criançada ainda corria ou girava na rua, eu
tinha de entrar: banho, comer e cama. Surgiram daí minhas revoluções bobas e
prematuras: "Por que tenho de entrar se as outras podem continuar
brincando? Por que tenho de comer e logo dormir? Por que, por que, por
quê?".
Por isso e outros
motivos, sempre desejei crescer. Ser jovem, adulta, entrar na maturidade,
envelhecer: cada vez ficaria mais independente, mais livre. "Ninguém é
livre", me diziam. É, sim, eu teimava. Livre para ler ou caminhar quando
quisesse, para dormir quando sentisse vontade, para comer algo além de purê de
batata, peito de frango e canja. Para ler quando e quanto quisesse, e casar, e
ter filhos, coisa que eu mais queria, e, de novo, tempo para sonhar e ler.
E para as grandes,
verdadeiras amizades.
Amigo, esse que não
cobra, não trai, não tem inveja nem ciúme, nem te deixa na mão - e, mesmo
quando não te entende, te curte -, como eu espero ser para os meus, é esse amor
simples de que falo no título. E nos salva.