Todo mundo sabe que, para se anunciar um
aniversário, o certo é dizer “fiz” tantos anos. No meu caso, “desfaço” anos...
O verbo “fazer” sugere algo que aumenta,
um crescimento do ser.
Mas, que ser aumenta com a passagem do tempo,
esse monstro que devora os seus filhos? O que aumenta é o vazio.
Esses anos que
o aniversariante distraído anuncia como anos que ele fez são, precisamente, os
anos que ele desfez, o tempo que já passou, que deixou de ser, os anos que o
tempo devorou.
Por isso acho um equívoco filosófico perguntar
a alguém: “Quantos anos você tem?”. O certo seria perguntar “quantos anos você
não tem?”. E ela responderia “não tenho 42 anos”, “não tenho 28 anos”. Porque
esse número de anos indica precisamente os anos que ela não tem mais.
Nos
aniversários, então, a maneira correta de se dirigir ao aniversariante é
perguntando-lhe “quantos anos você está desfazendo hoje?”.
Com base nessas reflexões filosóficas, acho
extremamente estranho e mesmo de mau gosto esse costume de o aniversariante
soprar as velinhas acesas para que elas se reduzam a um pavio negro retorcido.
Aí, nesse momento, todos gritam e riem de alegria e cantam o “Parabéns pra você”,
em louvor a essa “data querida...”
Bachelard, no seu delicadíssimo livro “A Chama
de uma Vela”, que nunca será best-seller, nos lembra que uma vela que queima é
uma metáfora da existência humana.
Há alguma coisa de trágico na vela que
queima: para iluminar, ela tem que morrer um pouco. Por isso ela chora, e suas
lágrimas escorrem sobre o seu corpo sob a forma de estrias de cera.
Uma vela que se apaga é uma vela que morre.
Algumas velas se consomem todas, morrem de pé, têm de morrer porque a cera já
se chorou toda. Outras morrem antes da hora -elas não queriam morrer-, mas veio
o vento e a chama se foi.
As velinhas acesas fincadas no bolo não querem
morrer. Elas vão ser assassinadas por um sopro. O sopro que apaga as velas é o
sopro que apaga a vida.
Por isso não entendo os risos, as palmas e a
alegria que se segue ao sopro que apaga as velas. Uma vela que se apaga é um
sol que se põe, disse Bachelard. E todo pôr-do-sol é triste. Uma vela que se
apaga anuncia um crepúsculo.
Por isso eu prefiro um ritual diferente,
ritual que é uma invocação.
Eu acendo uma vela pedindo aos deuses que me deem
muitos anos a mais de vida, esses anos que se seguirão, que são o único tempo
que realmente possuo.
Assim fiz, acendi uma vela, meus amigos à
minha volta.
Que coisa boa é ter amigos, especialmente quando o crepúsculo e a
noite se anunciam!
Acho que a vida humana não se mede nem por
batidas cardíacas nem por ondas cerebrais. Somos humanos, permanecemos humanos
enquanto estiver acesa em nós a esperança da alegria.
Desfeita a esperança da
alegria, a vela se apaga e a vida perde o sentido.