"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



sábado, 26 de junho de 2021

mais um ou menos um?


Todo mundo sabe que, para se anunciar um aniversário, o certo é dizerfiz tantos anos. No meu caso, desfaçoanos...

O verbofazer sugere algo que aumenta, um crescimento do ser.
Mas, que ser aumenta com a passagem do tempo, esse monstro que devora os seus filhos? O que aumenta é o vazio. 

Esses anos que o aniversariante distraído anuncia como anos que ele fez são, precisamente, os anos que ele desfez, o tempo que já passou, que deixou de ser, os anos que o tempo devorou.
Por isso acho um equívoco filosófico perguntar a alguém:Quantos anos você tem?”. O certo seria perguntar quantos anos você não tem?”. E ela responderia não tenho 42 anos”, “não tenho 28 anos”. Porque esse número de anos indica precisamente os anos que ela não tem mais. 
Nos aniversários, então, a maneira correta de se dirigir ao aniversariante é perguntando-lhequantos anos você está desfazendo hoje?”.

Com base nessas reflexões filosóficas, acho extremamente estranho e mesmo de mau gosto esse costume de o aniversariante soprar as velinhas acesas para que elas se reduzam a um pavio negro retorcido. 
Aí, nesse momento, todos gritam e riem de alegria e cantam o Parabéns pra você, em louvor a essadata querida...

Bachelard, no seu delicadíssimo livroA Chama de uma Vela, que nunca será best-seller, nos lembra que uma vela que queima é uma metáfora da existência humana. 
Há alguma coisa de trágico na vela que queima: para iluminar, ela tem que morrer um pouco. Por isso ela chora, e suas lágrimas escorrem sobre o seu corpo sob a forma de estrias de cera.

Uma vela que se apaga é uma vela que morre. Algumas velas se consomem todas, morrem de pé, têm de morrer porque a cera já se chorou toda. Outras morrem antes da hora -elas não queriam morrer-, mas veio o vento e a chama se foi.
As velinhas acesas fincadas no bolo não querem morrer. Elas vão ser assassinadas por um sopro. O sopro que apaga as velas é o sopro que apaga a vida.

Por isso não entendo os risos, as palmas e a alegria que se segue ao sopro que apaga as velas. Uma vela que se apaga é um sol que se põe, disse Bachelard. E todo pôr-do-sol é triste. Uma vela que se apaga anuncia um crepúsculo.

Por isso eu prefiro um ritual diferente, ritual que é uma invocação. 
Eu acendo uma vela pedindo aos deuses que me deem muitos anos a mais de vida, esses anos que se seguirão, que são o único tempo que realmente possuo.

Assim fiz, acendi uma vela, meus amigos à minha volta. 
Que coisa boa é ter amigos, especialmente quando o crepúsculo e a noite se anunciam!
Acho que a vida humana não se mede nem por batidas cardíacas nem por ondas cerebrais. Somos humanos, permanecemos humanos enquanto estiver acesa em nós a esperança da alegria. 
Desfeita a esperança da alegria, a vela se apaga e a vida perde o sentido.