No espaço de um mês,
perdi uma tia e um primo. Em função disso, eu, que quase não vejo meus
parentes, tive a oportunidade de estar com eles uma vez a cada semana, em dois
velórios e em duas missas de sétimo dia, onde trocamos longas conversas e até
algumas risadas que escaparam durante a tristeza. Não foram momentos alegres,
mas foram momentos bonitos de encontro e confirmação da potência afetiva da
nossa família.
Morte não é um assunto
que evito, mas, nos últimos dias, pelas circunstâncias, pensei nela mais do que
o normal - nela e em sua consequência imediata: o luto. Pra quem acaba de
chegar ao planeta Terra, explico: luto era um período de resguardo, com duração
variável, em que a gente processava a nossa dor. Não dava vontade de trabalhar,
namorar, participar de confraternizações – o silêncio se fazia necessário para
que a gente pudesse se despedir de uma presença transformada subitamente em
ausência. O sofrimento não era camuflado: fazia parte da cura. Só então, aos
poucos, a gente se reintegrava à sociedade, retomando nossos afazeres diários.
O luto vinha após
qualquer morte. Não apenas depois da morte de alguém: valia também para o fim
de um amor, a demolição de uma casa, a partida de um filho. Além de prestar uma
homenagem ao passado, o luto servia para reorganizar nossos sentimentos e
pensamentos. Isso existiu.
Mas, como você deve ter
reparado, o luto morreu. Não existe mais. No lugar do luto, veio o dia seguinte
com compromissos intransferíveis, mensagens de whatsapp que exigem resposta
imediata, passagens aéreas que melhor não cancelar para não pagar multa,
clientes que podem se irritar se a reunião for desmarcada, o horário no médico
que foi uma dificuldade pra agendar, sem falar na manhã ensolarada exigindo uma
selfie. Dar espaço pra dor se tornou improdutivo. Vamos em frente, time is
money, o morto vai entender.
O morto é um querido: não
quer incomodar, empatar sua vida. Ele já foi como você, teve agenda,
obrigações, planos. Não foi sua culpa ter morrido numa terça-feira: se pudesse
escolher, ele teria morrido numa sexta à tardinha (mesmo melando o happy hour)
para que você pudesse aproveitar o sábado e o domingo para acostumar sua alma
com a nova situação, mas foi morrer em dia útil, imagina se exigirá atenção
plena. O morto libera o pessoal do luto e não puxa os pés de ninguém. Todo
defunto é boa gente.
Só me pergunto se a dor
não fica sublimada, se ela não explodirá mais adiante em um momento indevido,
se é possível mesmo colocar vida e morte sentadas na mesma sala, com a mesma
música alta. Ok, eu sei, a modernidade não tolera sentimentalismos. Resta isso,
então, uma crônica saudando os velhos tempos, o que também não deixa de ser um
dever cumprido no prazo, o jornal não pode esperar.
#RIP tia Iracy
família da minha mãe se
esvaindo...