"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



segunda-feira, 23 de março de 2020

não somos números



Todos são iguais perante a lei da doença. Quem não pensava assim, descobrirá com a epidemia.

Coronavírus não escolhe suas vítimas pela classe social, credo, ideologia. Não poupará famosos, não dará chance aos poderosos e influentes, não cederá vantagens aos artistas e formadores de opinião, não pegará leve com presidentes e ministros.

Não diminuirá o seu impacto se você reza ou não, se é bondoso ou não. Não se compadecerá de seu pai ou de sua mãe velhos, de seus bebês de colo, de suas crianças pequenas, dos asmáticos e dos diabéticos, dos hipertensos e depressivos.

Não analisará a sua ficha corrida, seus antecedentes, seus pecados, suas omissões. Não recuará por palavras bonitas e promessas de redenção.

Não avaliará o tamanho de suas redes sociais, não consultará o seu extrato bancário.

Não pedirá licença, e nem sempre avisará que chegou em seu corpo.

Ele não tem olhos, não tem boca, não tem ouvidos, não tem capacidade de discernimento e julgamento. É um animal implacável, vai acumulando baixas em sua guerra suja.

E só cresce pela desinformação, quando você acha que a doença é um exagero da mídia, que a quarentena é dispensável.

E só cresce pela cultura do medo. Pois o medo não pensa, é egoísta, passa por cima de tudo, devasta as prateleiras dos supermercados e das farmácias para apenas ter privilégios.

Enquanto não é encontrada a vacina, o único antídoto do vírus é a empatia: usar somente o que precisa, viver com o que é fundamental.

Ainda em condições adversas, ainda que isolado, preocupar-se como o outro está. Cuidar de si e de quem sequer conhece, pelo simples fato de ser morador da mesma cidade.

Fortalecer os amigos com a saudade e as lembranças dos dias felizes. Manter a doçura da voz. Converter a fragilidade em delicadeza. Renovar o poder e o significado da esperança.

Não deixar jamais que as particularidades das pessoas sejam transformadas em números impessoais de infectados e de mortos.

As ruas estão vazias, que o coração permaneça cheio.

Qualquer perda é importante, qualquer vida é valiosa, o vírus nunca se importou com ninguém para entender a força do apego, a força do amor.