Para conservar a
esperança, temos que defender os ouvidos, não somente escutar os grasnidos de
urubus e corvos. Há outros pássaros cantando lá fora e dentro de nossa memória.
Precisamos revezar a
audição com o curió, o canário, o sabiá, o pardal, o rouxinol, o mateiro, o
pintassilgo pelas janelas de nossa alma. Todo amigo é uma ave cantando
diferente.
Que usemos o tempo
sozinhos para melhorarmos as nossas relações, corrigirmos as omissões e os
lapsos pelo excesso de trabalho, dedicarmos com mais afinco à educação de
nossas crianças, revisando os seus desenhos e jogando juntos algum tabuleiro da
nossa infância.
Como disse padre Fábio de
Melo, não estamos isolados, mas protegidos.
A proteção é ninho
aquecido de afeto, uma chance de reabastecimento emocional para retornarmos à
labuta mais convictos de nossas aspirações. Cuidar dos ouvidos é evitar o
bombardeio pessimista da atualidade. Não ser alienado, mas alternar os fatos
tristes com ações edificantes presentes no nosso cotidiano.
Não permanecer exclusivamente
no celular assistindo e partilhando vídeos apocalípticos, soma de infectados e
mortos, numa contagem regressiva até chegar a um familiar ou a um conhecido.
Que retiremos o pânico da pandemia. Não há como ser feliz sob ameaça constante.
O jeito de apequenar o
medo é procurar interagir com as melodias caras de nossa vida: a voz dos pais,
dos filhos, da esposa, dos amigos. Fazer perguntas de como eles nos enxergam,
se estamos sendo presentes ou não. Ouça como os demais o percebem, é importante
o ponto de vista externo para construir a nossa imagem.
Aproveite a quarentena
para autocrítica, para o trabalho permanente de se aperfeiçoar, de ser gentil
sem segundas intenções. Gargalhe com bobagens, faça mais piadas e memes com
aqueles que estão próximos de você.
Regue as plantas e
reorganize as roupas no armário, para voltar a vestir as peças que andam
esquecidas pela pressa.
Como não há como ir ao
salão, por que não brincar de manicure e cabeleireiro com o pessoal de casa?
Ler um livro para soltar
a âncora da realidade imediata e viajar para distintas épocas e contextos.
Improvisar um karaokê com
a sua playlist preferida. Cozinhar receitas da avó, para recuperar sabores
perdidos. Não se sentir culpado por se divertir. Especialmente isso. Não sofrer
de modo desnecessário é respeitar quem está realmente sofrendo.
Ocupar a imaginação
positivamente, combatendo premonições assustadoras é o remédio para a saúde
mental. Não se prender ao “se”, abolir o “se” do vocabulário, não penar por
antecipação.
Palavras amáveis são
fáceis e ficam para sempre. O canto dos pássaros é o nosso despertador
interior.