Meu marido entra na sala
sorrindo, jornal na mão: "Você ainda consegue não escrever sobre o
coronavírus?". E eu, rindo: "Nem o vírus, nem o Dia da Mulher".
O assunto mulher, porque
não aguento mais, dezenas de anos, dezenas de artigos, palestras, palavras.
Inúteis ou com alguma mínima repercussão? Nunca saberei. Crônicas se soltam aos
ventos, centenas, milhares de leitores que provavelmente amanhã não lembrarão
mais. É da profissão. O resumo do que penso não é muito simpático mas: vamos
nos respeitar, e nos fazer respeitar, e talvez... nos respeitem. Luta dura,
demorada, de preferência sem xingamento nem lamuriação. Nós, mulheres, somos
melhores do que isso.
O vírus, bem, o vírus.
Quando muitas Polianas e
malandrinhos ainda achavam graça, me chamavam de mensageira da agonia ou coisa
parecida, eu já sentia medo. Algo estranho, sinistro, estava embutido nessa
peste que logo deitaria sobre o mundo, sobre nós, sua feia sombra. Intuição,
quem sabe? Um alerta que a idade vai nos concedendo feito um chip especial? Não
sei. Sei que desde as primeiras notícias, senti medo.
Hoje, até os alegrinhos,
que anunciam que devemos cultivar alegria em nossos corações porque ela nos
salvará, começam a se remexer preocupados. Que bom se a alegria nos salvasse.
Mas, por outro lado, o desespero, a raiva e a amargura certamente nos liquidarão
junto com a doença.
Meio-termo é uma
expressão de que gosto, mas que acho difícil. Entre prudência e negligência,
entre terror e cautela, cada um de nós tem de escolher sua posição.
O que me desgosta
sobretudo: a raiva fácil com que algumas pessoas apontam o dedo, eu acuso: os
chineses, os americanos, os capitalistas, grandes laboratórios... Acho pobre,
contraproducente e irreal. Não acredito que uma cúpula de líderes de qualquer
país, ou diretores de grandes laboratórios, um dia se reunisse para cochichar
atrás de portas fechadas como poderia ferrar com o mundo. Acredito, sim, que as
doenças ocorrem porque somos humanos, porque não nos cuidamos, porque abusamos,
porque somos ignorantes - mas também porque o azar existe e às vezes predomina.
E ninguém é nem culpado, nem responsável.
Tenho medo, sim, dessa
doença, que se arrasta, bufando, sobre nós, pobre humanidade. Ninguém sabe
direito o que fazer, uns esbravejam, outros soltam bravatas, outros, ainda, nem
levantam os olhos. Todos estamos nessa rota, que para muitos será a morte, para
outros, vida com sequelas graves, mas, para a maioria, eu acho, e espero, será
pouco incômodo ou nem notar se tem, ou não, o vírus.
Sofro pelos que serão
coroados. Rezo para que ninguém seja, mas é oração de criança pedindo ao Menino
Jesus que hoje não faça noite, porque quero brincar na calçada até bem tarde.