Ele existe, sim. E,
graças a Deus, está muito longe da perfeição.
O homem ideal me faz rir,
mas nunca usa o riso contra mim.
Tem a rara habilidade de
saber ouvir e só diz o que é necessário, bom ou a dura e intransponível
realidade.
Compreende a diferença
entre estar presente e fazer companhia.
Não é prolixo, nem tenta
impressionar.
Não precisa entender de
vinho, charutos ou golfe; precisa ser autêntico e admitir que não entende de
vinho, charutos nem de golfe (e eventualmente confessar que gosta mesmo é de
pinga).
Ele não exige a todo
instante meu lado risonho porque sabe, como sabe de tantas outras coisas não
ditas em sentenças ou discursos, que os dias negros fazem parte de mim.
Nota as sutis alterações
de humor pelo tom da minha voz e, antes de prejulgar as razões, se predispõe a
fazer cafuné ou, sensato, cala-se ao meu lado olhando para a TV.
E não exige explicações
porque possui uma calma sabedoria que me impele em sua direção: dividir minhas
angústias e anseios com este homem é tão acolhedor quanto deitar na grama sob o
sol de outono.
O homem ideal me dá
bronca quando abuso da minha independência ou como chocolate demais e depois
reclamo do peso.
Ele compra sorvete light
e evita discussões posteriores.
Compreende que preciso da
sensação indescritivelmente libertadora de sumir por algumas horas e, mesmo não
concordando com ela, não me interroga como um oficial do DOI-Codi quando piso
em casa, levemente para não o acordar, às 2 da manhã.
O homem ideal canta.
Não precisa ser afinado,
mas sussurra (seja ao telefone ou ao vivo) canções que, num dia qualquer,
mencionei gostar.
Pode saber dançar.
E, se não souber, que
mantenha a dignidade e fique sentadinho me observando.
Também bebe.
Meio pinguço, é daqueles
que ficam charmosos de matar com um copo de uísque nas mãos.
É deliciosamente sacana
três doses acima do normal.
Enterra os bons modos e
fecha abruptamente a porta do quarto, sem tempo para que eu responda à pergunta
nem sequer formulada.
Adormece aconchegado a
mim, mas não suporta ficar agarrado durante toda a noite.
E também curte cozinhar.
Diverte-se tanto numa
loja de condimentos como diante de uma prateleira de CDs.
Não me expulsa da cozinha
mesmo que eu esteja atrapalhando.
Não me dá fusilli na boca
mas o serve no meu prato, com pouco queijo e muito molho.
O homem ideal está sempre
disposto a me ouvir, mesmo que seja nos minutos desagendados à força durante o
dia cheio, e não usa trabalho nem cansaço como desculpa para suas eventuais
faltas; as assume e, até, se desculpa.
Não se esquiva de
discutir os problemas que não se solucionam com notas de 100.
Não considera fraqueza
dizer que me ama.
Pede ajuda quando sente
que o peso colocado sobre seus ombros extrapolou sua força.
E chora.
Não faz promessas porque
sabe que nem sempre é possível cumpri-las.
Vive regido por sua
consciência e, impulsivo, assassina a etiqueta e comete atos passionais.
Então faz besteiras,
erra, engana-se.
E nem por isso deixa de
ser maravilhoso - apenas segue sendo magnífica e tropegamente humano.
O homem ideal é
imperfeito,
numa imperfeição que
combina exatamente com a minha.