Acreditei em Papai Noel
por muitos anos. Menina do interior com a fantasia sempre a mil, ele fazia
parte das minhas histórias encantadas.
Até uns 7 anos de idade,
eu também acreditava na cegonha e no coelho da Páscoa. Quando o pôr-do-sol
tingia o céu, diziam-me que os anjinhos começavam a assar aqueles biscoitos de
Natal que se faziam em todas as casas da pequena cidade.
Trovoadas de começo de
verão eram São Pedro arrastando os móveis para a fábrica de brinquedos ter mais
espaço.
Na antevéspera de Natal,
um recanto da sala era ocultado por lençóis estendidos, e ali atrás ocorria o
milagre: na noite de 24, com o coração saltando de ansiedade, a gente escutava
sininhos como que de prata: era hora. Levada pela mão da mãe ou do pai, eu
entrava na sala, de onde os lençóis tinham sido removidos, e lá estava ela: a
árvore de Natal, toda luz de velas, toda cor de esferas, e embaixo os
presentes.
Muitíssimo menos dos que
se dão hoje às crianças, mas havia presentes.
Cantávamos canções
natalinas, todo mundo se abraçava, depois abríamos os pacotes e comíamos a
ceia. No dia seguinte, chegavam tios, primos, alguns amigos. Era só isso, sem
alarde, mas com emoção. Guardei a sensação de que Natal é fraternidade, é
reconciliação, é alegria de estar junto, é a chegada de pessoas queridas, é o
tempo da família.
Para quem não a tem, é o
tempo dos amores especiais.
Não éramos
particularmente religiosos, mas uma de minhas avós, luterana convicta, na manhã
seguinte me levava à igrejinha, onde eu gostava de cantar. Algo de muito bom se
comemorava nesse tempo, o nascimento de Cristo e a esperança dos povos. Nem
tudo seria guerra e perseguição, pobreza, crueldade, injustiça.
As pessoas se queixam
muito de que o Natal hoje é só comércio. Depende de quem o comemora. Se me
endivido por todo o próximo ano comprando presentes além de minhas
possibilidades, pois no fundo acho que assim compro amor, estou transformando o
meu Natal num comércio, e dos ruins. Se entro nesses dias frustrado porque não
pude comprar (ou trocar) carro, televisão, geladeira, estou fazendo um péssimo
negócio para minha alma. E, se não consigo nem pensar em receber aquela sogra
sempre crítica, aquele cunhado cínico, aquele sobrinho malcriado, abraçar o
detestado chefe ou sorrir para o colega que invejo, estou transformando meu
Natal num momento amargo. Então, depende de nós.
Claro que há as
tragédias, as fatalidades, doença, morte, desemprego, alguma maldade – essas
não faltam por aí. Um avô meu morreu de doença muito dolorosa, na véspera de
Natal. Foi a primeira vez que vi um adulto, minha avó, chorando. Há poucos
anos, minha mãe morreu na antevéspera de Natal, depois de longuíssimo tempo de
uma enfermidade maldita. Mas foram também ocasiões de conforto e consolo,
abraço, amor e entendimento.
Na medida em que não se
podem dar muitos e caríssimos presentes, talvez até se apreciem mais coisas
delicadas como a ceia, o brinde, o carinho, os votos, a reunião da família, o
contato emotivo com os amigos, mensagens pelo correio ou e-mail, música menos
barulhenta e aroma de velas acesas.
Mais que tudo isso, o
perfume de uma esperança ainda que realista. A crise nas finanças pode
incrementar a valorização dos afetos. Se não pudermos viajar, curtiremos mais
nossa casa. Se não há como trocar velhos objetos, vamos cuidar mais dos que
temos. Se não podemos comprar o primeiro carro, vamos olhar melhor nossos
companheiros no metrô.
Vamos curtir mais nossos
ganhos em afeto.
Não é preciso ser
original para escrever sobre o Natal. A gente só quer que ele seja tranquilo e
gostoso, e que nos faça acreditar: em Papai Noel, em anjos, em famílias
amorosas ou amigos fiéis, em governantes mais justos e líderes mais capazes, em
um povo mais respeitado – em alguma coisa a gente acaba sempre acreditando.
Porque, afinal de contas,
é a ocasião de ser menos amargo, menos crítico, menos lamurioso e mais aberto
ao sinal deste momento singular, que tanto falta no mundo: a possível alegria,
e o necessário amor.