Só pode saber que está
morrendo quem tem um filho.
O filho é a régua da
existência. Ele mede o meu fim. Mede o tamanho de minhas realizações. Mede o
meu salário. Mede a minha folga. Mede a minha dispersão. Mede a minha loucura e
a minha sanidade. Mede a minha vontade de acordar. Mede a minha felicidade. Mede
a minha paciência com imprevistos.
Podemos até nos enganar
sozinhos, só que não tem como disfarçar a fundura do cotidiano diante dos
filhos.
O filho é a nossa
largura, a nossa dimensão, é quando o mundo nos abraça e também nos esmaga.
O desemprego dói mais
sendo pai. Um desaforo dói mais sendo pai. A risada é mais estridente sendo
pai. Um elogio é mais desconcertante sendo pai.
Eu me acostumei a me
encarar no espelho e desprezo as rugas, os pés-de-galinha, as olheiras. Não
acompanho a minha idade - é como se mantivesse a vitalidade de um jovem por
dentro do raciocínio.
O filho me devolve o meu
tempo, o tempo findo e vindo da aparência.
Ele quebra as superfícies
espelhadas e a fixação dos hábitos.
Não há mais como mentir a
minha idade quando observo que ele me ultrapassou na altura, que usa calça 42,
que o tênis abandonou o 37, que os meses são anos para o adolescente, que não
compreende as minhas gírias, que as minhas piadas não têm graça, que ele já é
adulto e adquiriu uma melancolia no olhar, própria de quem já se frustrou
alguma vez comigo.
Pelo filho, descubro que
envelheço. Mas, por ele, não quero morrer.