Sei que não vou ter a aprovação deles: os apaixonados por
Carnaval vão torcer o nariz e passar adiante.
Não desgosto de Carnaval. Quando mocinha, fui a bailes de
clube e achava muito divertido, fantasia de holandesa, que combinava comigo, ou
de odalisca, que não tinha naaaada a ver.
Éramos adolescentes meio inocentes do Interior, mas,
estranhamente, todo mundo usava lança-perfume, hoje condenado. As mães só
recomendavam para não aspirar direto nem cheirar lenço molhado com o produto,
cujo cheiro aliás eu adorava, lembrava alegria e descontração.
Não havia quase Carnaval de rua, nada parecido com os blocos
de hoje, as multidões suadas e não muito vestidas, num aperto meio indigno de
não haver onde fazer xixi nem o resto, gente de porre vomitando é quase normal,
peitos e bundas oferecidos com generosidade absoluta.
Acho que éramos cheios de manias naquele tempo. Carnaval era
mais alegria do que deboche. Talvez ainda fôssemos moralistas ou bobos.
Hoje me entristece um pouco: não a alegria, a diversão, a
catarse de um povo explorado e sofrido, mas a capacidade meio desesperada de
por vários dias e noites esquecer a situação do país - que beira o dramático ou
trágico - pulando, requebrando, chacoalhando numa felicidade ímpar.
Por um breve tempo de ilusão, esquecem-se as contas
atrasadas, a comida cara, a condução desconfortável, o pagamento atrasado, o
terror da violência tão habitual, o temor de adoecer e não ter hospital nem
remédio.
Talvez esses dias de total alienação - estranha para quem não
participa - sejam um intervalo necessário e misericordioso num país em tamanhas
dificuldades. A imagem que fica é a de um povo rico, saudável, despreocupado,
bem empregado e feliz, não dando a menor bola para os chatos que, como esta
colunista, assistem com um vago espanto às sucessivas e intermináveis (e
incansáveis) ondas de corpos suados, caras desfeitas, risos abertos e copos
sempre cheios que por dias e dias e dias e dias enchem ruas e avenidas numa
alegria atroz.
Quem sabe hoje escreve aqui uma bruxa nem tão boa, nem tão
divertida, mas com certeza um bocado preocupada e atenta ao que fazem conosco e
com este país que a gente ama.