Diálogo entre duas
mulheres, entreouvido numa sala de espera: “De que ela morreu?” Respondeu a
outra: “De causa natural”. Fiquei pensando: então a coitada deve ter morrido de
latrocínio.
Hoje em dia, morrer de
causa natural é morrer por ter cruzado com um garoto viciado ou um brutamontes
colérico que não controla seus atos e atira. É morrer da facilidade com que
delinquentes portam armas. É morrer de bala perdida. Uma morte natural,
naturalíssima, está todos os dias nos jornais.
Dão entrada em hospitais
centenas de pessoas com infecções, tumores, edemas, intoxicações, mas elas não
morrem dessas doenças. Antes, morrem de falta de leito. De falta de médico. O
natural é que morram de falta de atendimento.
Há quem esteja morrendo
de lipoaspiração: a paciente escolhe uma clínica clandestina, que não possui o
equipamento cirúrgico necessário, e morre se for alérgica a algum medicamento
ou se tiver uma parada cardíaca durante a anestesia. Morre de falta de socorro
adequado.
Morre-se de ganância, de
falta de alvarás, de desprezo pelas regras de segurança, de material de quinta
categoria, de prazos de validade vencidos.
Morre-se de falta de
policiamento nas ruas, morre-se de invisibilidade: não vemos ninguém quando
precisamos e ninguém nos vê também.
Morre-se de calçada
irregular, de estrada esburacada, de rodovia mal sinalizada, de obra sucateada.
A gente se mata para pagar os impostos e eles continuam não sendo reaplicados
em nós, e, sim, no sustento de mordomias parlamentares.
Morre-se de político
corrupto, que desvia verbas públicas em prol de interesses particulares, e
também de político covarde, que não enfrenta o esquemão contaminado de seus
pares, que se candidatou apenas por vaidade e pelo poder, que não se compromete
com a população e que jamais será respeitado enquanto não se dedicar ao bem das
pessoas que representa.
Morre-se de trote.
Escolha a modalidade mais natural: o trote na universidade, praticado por
estudantes bestiais, ou o trote telefônico, aquele que mata do coração os que
não detectam o fajuto golpe do sequestro.
E como o próprio nome diz
(morte natural), a natureza tem feito sua parte, provocando óbitos por
deslizamentos, queimadas, tsunamis, que nada mais são do que revide às
agressões que temos cometido contra o meio ambiente. Fazer esse mea culpa causa
depressão, que, ironicamente, pode matar também. Liquidamos com o planeta e
conosco mesmo.
Morrer de velhice e de
falência múltipla dos órgãos é que não é natural - passou a ser um luxo para
poucos.