Quando o meu pai me disse
“todos os meus amigos estão morrendo”, a partir do seu desabafo, passei a
imaginar o que seria da minha vida sem os meus escudeiros. Sem o Zé. Sem o
Corso. Sem o Paulo Scott. Sem o Vinicius. Sem o Everton. Sem o Dudu. Sem
Francesca.
Quem eu procuraria para
contar as novidades e reclamar das dificuldades? Para quem desabafaria? Para
quem pediria socorro?
Não sei se resistiria.
O que é se despedir de
todos o que amamos gradualmente? O que é se ver longe do amigo do boteco, do
futebol, do entardecer, dos padrinhos de casamento e de nossas crianças? O que
é enterrar na gaveta um por um dos porta-retratos prediletos?
Pois a velhice assassina
os álbuns inteiros de fotografias de casa. Vão desaparecendo os companheiros de
nossas principais memórias, vão sumindo partes importantes de nossa
personalidade, fragmentos e lugares de nossos suspiros.
Há risadas que existem
apenas com alguns, há histórias que apenas podem ser contadas por alguns. Um
punhado de alguns que formam o nosso patrimônio da resiliência.
Meu pai evita ler
obituários do jornal, para não começar o dia em luto por alguém que conheceu ou
conversou.
Uma vez por mês, está preso
a um velório, a um enterro. A agenda nunca é certa e definitiva, abertas e
rompantes e marchas fúnebres. Seu terno preto nunca esteve tão gasto.
O pai experimenta uma
pungente solidão geracional. Uma solidão sem parâmetros. Uma solidão que lembra
um despejo com aviso prévio.
Ele anda mais calado do
que o costume, porque não tem mais para quem ligar. Sinto que metade do seu
idioma ficou parado, sem uso. Mal mexe em sua caderneta marrom de telefones.
A dor é maior para os que
ficam. Afora o medo que se instala na perda de um integrante da turma, afora a
desconfiança de reparar entre os presentes de cabelos grisalhos e perguntar
para si, em pensamento: quem será o próximo?
Os filhos precisam ser,
além de filhos, amigos dos pais, cúmplices das façanhas e das piadas, do tempo
e das espirais das repetições. Que dobrem os seus esforços diante dos dobres
dos sinos. Para atenuar um pouco a saudade cruel que os velhos amargam dos seus
contemporâneos.