"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

os amigos estão morrendo



Quando o meu pai me disse “todos os meus amigos estão morrendo”, a partir do seu desabafo, passei a imaginar o que seria da minha vida sem os meus escudeiros. Sem o Zé. Sem o Corso. Sem o Paulo Scott. Sem o Vinicius. Sem o Everton. Sem o Dudu. Sem Francesca.

Quem eu procuraria para contar as novidades e reclamar das dificuldades? Para quem desabafaria? Para quem pediria socorro?

Não sei se resistiria.

O que é se despedir de todos o que amamos gradualmente? O que é se ver longe do amigo do boteco, do futebol, do entardecer, dos padrinhos de casamento e de nossas crianças? O que é enterrar na gaveta um por um dos porta-retratos prediletos?

Pois a velhice assassina os álbuns inteiros de fotografias de casa. Vão desaparecendo os companheiros de nossas principais memórias, vão sumindo partes importantes de nossa personalidade, fragmentos e lugares de nossos suspiros.

Há risadas que existem apenas com alguns, há histórias que apenas podem ser contadas por alguns. Um punhado de alguns que formam o nosso patrimônio da resiliência.

Meu pai evita ler obituários do jornal, para não começar o dia em luto por alguém que conheceu ou conversou.

Uma vez por mês, está preso a um velório, a um enterro. A agenda nunca é certa e definitiva, abertas e rompantes e marchas fúnebres. Seu terno preto nunca esteve tão gasto.

O pai experimenta uma pungente solidão geracional. Uma solidão sem parâmetros. Uma solidão que lembra um despejo com aviso prévio.

Ele anda mais calado do que o costume, porque não tem mais para quem ligar. Sinto que metade do seu idioma ficou parado, sem uso. Mal mexe em sua caderneta marrom de telefones.

A dor é maior para os que ficam. Afora o medo que se instala na perda de um integrante da turma, afora a desconfiança de reparar entre os presentes de cabelos grisalhos e perguntar para si, em pensamento: quem será o próximo?

Os filhos precisam ser, além de filhos, amigos dos pais, cúmplices das façanhas e das piadas, do tempo e das espirais das repetições. Que dobrem os seus esforços diante dos dobres dos sinos. Para atenuar um pouco a saudade cruel que os velhos amargam dos seus contemporâneos.