Em 2005, publiquei uma
crônica sobre um episódio da minha infância. Estava na casa de uma colega de
aula. Lá pelas tantas, fui ao banheiro – só havia um. Horas depois, precisei ir
ao banheiro de novo, só que ele estava ocupado pelo irmão da minha colega. Foi
quando ela perguntou se eu me importaria de usar o banheiro da empregada.
Lógico que não. Corri pra lá, e foi então que vi. O papel higiênico da
empregada era diferente do usado pela família. Áspero. Parecia uma lixa. Muito
mais barato.
Era costume: comprava-se
um papel higiênico macio para os banheiros sociais e outro de pior qualidade
para os banheiros de serviço.
As relações entre
empregados e patrões continuam sendo uma maneira de flagrar preconceitos. Não é
por economia que se compra papel higiênico mais ralé para a empregada, ainda
que seja este o argumento. É para segmentar as castas. É para manter a
hierarquia. É pela manutenção do poder.
Vale para a exigência do
uniforme também. O nome já diz: o objetivo dele é unificar - caso do uso em
alguns espaços públicos e coletivos, como escolas e fábricas. Já no caso dos
empregados domésticos e particulares, a imposição do uso é para desunificar, ou
seja, lembrar “quem é quem”.
Em 1993, morei alguns
meses no Chile e minha funcionária aceitou ir junto (trabalha comigo há 27
anos). Ela nunca usou uniforme e, chegando lá, se deparou com um quadro
incomum: não se via uma única empregada sem usar um guarda-pó. Nem no prédio em
que morávamos, nem nas pracinhas, nem no super. Um dia, me pediu para comprar
um pra ela. Queria fazer amizade. As parceiras estavam achando ela meio besta.
Falamos tanto em acabar
com as injustiças sociais e às vezes não conseguimos mudar regras dentro da
própria casa. Todos nós temos um potencial revolucionário que pode se
manifestar através de pequenos gestos. Só uma elite conservadora e cafona
depende de empregados até nos fins de semana, uniformizados como se estivessem
no palácio de Buckingham e tendo que atender aos caprichos de adolescentes que
não levantam do sofá para fazer o próprio sanduíche.
O assunto é bem mais
sério e abrangente, mas permeia este aspecto também: o quanto, achando que
somos senhorios, não passamos de escravos de uma pretensa superioridade. Pobres
de nós e pobre de quem se submete aos nossos delírios de grandeza, quando tudo
poderia ser mais simples: eu preciso da sua ajuda e você precisa de trabalho –
ninguém é mais importante que ninguém por causa disso. E o papel higiênico tem
que ser o mesmo para todos. Essa reivindicação, simbólica, segue valendo 13
anos depois daquela crônica. Aliás, 130 anos depois.