Gostamos de nos enganar,
quando dizemos que queremos reformas, que vamos mudar, que vamos nos
transformar, aliás, até já começamos, logo todos vão ver. Mentira, em geral,
mentira ou mentirinha. Mentimos para nós mesmos como nos propósitos de ano
novo, que logo vem aí, de sermos mais gentis, mais sinceros, mais moderados ou
mais ousados, de beber menos, de emagrecer mais, de dar caminhadas, de gastar
com mais sensatez, de não gastar nada, de planejar boas férias com a família,
de não enganar nem trair... de trabalhar melhor, enfim, de ser uma pessoa
melhor.
E mentimos para nós e o
mundo quando falamos em reformas na cidade, no país, na política, nas leis, no
caráter geral desta pobre nação. Agora, sim, começarão as reformas que nos vêm
sendo prometidas há décadas. Séculos. Todos estamos ansiosos e contentes.
Mas, ou as mudanças não
virão mesmo, ou, se vierem, começamos logo a reclamar. O quê? Aumentar imposto
e reduzir benefícios? Mas comooooo? Ainda que eu seja um político ganhando uma
vergonhosa (e legal) fortuna por mês, não quero sacrificar um centavo! E, mesmo
que eu seja aficionado de justiça social, no meu é que ninguém vai mexer. Minha
aposentadoria? Jamais.
O líder que quiser
inventar isso que todo mundo mentia desejar ardentemente terá de engolir sapos,
lagartos, jacarés, quebrar muita pedra - porque não vão deixar fácil essa
história. Na verdade, ninguém quer mudar. Nunca desejamos de verdade,
verdadeiramente, modificar nada. Por preguiça, por princípio, por fraqueza, por
cretinice, não importa. Falamos em justiça social, ah, sim, eu sou totalmente a
favor...
Mas esquecemos que isso
deve começar em casa, tipo pagar aos funcionários, mesmo domésticos, o máximo
que eu posso, e não espremer esse dinheirinho dentro do mínimo que a lei
permite. Negociamos a faxineira mais barata, o pedreiro que cobra menos, a
doméstica de quem descontamos comida e água e sabonete, e nem nos envergonhamos
disso. Ou, muitas vezes, pagaremos o dobro, o triplo, porque o serviço pode
sair mal feito, e o prejuízo é certo.
Sem grandes ilusões, mas
numa rara torcida porque andava desalentada e quase cínica, eu torço para que
os líderes que se apresentam, e que escolhemos, tenham coragem. Franqueza.
Fibra. Honradez. Ética e firmeza, para poderem mudar o que precisa ser mudado,
ainda que aos poucos, fatiado, como se diz nessa palavra que eu detesto tanto
quanto empoderamento, transparência e algumas outras que ressoam nos generosos
espaços vazios em nossas cabeças.
Enfim, enfim. Passei hoje
por uma praça cujo capim chegava ao meu joelho. Aqui pertinho se impõe o
chamado novo cangaço, com assaltos e tiroteios de cinema, e vários mortos entre
inocentes e bandidos. O novo cangaço é espetacular: armadíssimo,
mascaradíssimo, cínico e forte porque nós, sociedade, ainda não nos preparamos
para estes tempos atuais. Pensamos que o Interior é bucólico e que a capital é
bem policiada. Pensamos que nossas vidas valem muito. Pensamos que... que agora
as coisas vão mudar de verdade, desde que não se mexa uma palha nos nossos
direitos tantas vezes tão tortos.