Primeiro, eu entendia que ano novo era mano novo, e ficava feliz com mais um bebê em casa, eu desde sempre louca por crianças e bebês. Até hoje, seguidamente, sonho que tenho um ou vários no colo. Depois, fui entendendo que não era mano, e sim ano, e também compreendi, vagamente, essa questão dos números com que demarcamos nossa vida - em geral, para nos atormentarmos um pouco mais.
O ano novo espia na esquina como um garoto arteiro, cheio de
novidades malucas para nos surpreender.
O ano novo espreita nos espelhos como uma velha bruxa de
longas unhas roxas para nos arranhar enquanto dá suas risadinhas sinistras.
O ano novo espera na porta da frente para a gente abrir,
abraçar, aceitar e achar que vai ser feliz todos os trezentos e tantos dias - e
algumas vezes, em muitos dias, e semanas, ou meses, a gente é feliz mesmo.
O ano novo é uma estrelinha que nos contempla lá do céu, como
diziam, em tempos tão antigos: meu irmãozinho morto antes de eu nascer tinha
virado estrelinha e cuidava de mim. (Me inquietava um pouco que também visse
meus pecadinhos, que eram palavras feias, mentiras e botar a língua para os
adultos pelas costas deles.)
O ano novo é uma esquisitice, mas vale porque, apesar de
tudo, a gente celebra. Quase uma continuação do Natal, só que geralmente com
mais festa, e dança, e espumante, promessas para os seres amados, e promessas
para nós mesmos - mais cobrança do que promessa, aquela lista velha e chata
como o mundo: fazer exercício, não beber, não comer, não ir demais às baladas,
não fumar, não se matar com nenhuma droga, aliás, ser melhor filho, irmão, pai,
mãe, colega, amigo, chefe, qualquer coisa dessas em que tantas vezes agimos
como feitores de escravos ou carrascos.
E assim, dia a dia, o novo ano nos espera, e nós esperamos
por ele.
Que Deus ou os deuses nos deem um aninho manso, colorido,
bondosinho, gentil, não só para nós pobres humanos sempre tentando escapar dos
males, mas para este mundo tão bagunçado, violento, chato, porque já nem as
notícias de mortandades, desgraças, tufões, inundações, corrupções e bondades
com os corruptos, e crueldades com os miseráveis pobres engaiolados como
animais (não!, os direitos dos animais não permitiriam!), nos impressionam
muito. Estamos calejados.
Enfim, que seja um aninho bem suportável para a maioria. Para
alguns - os escolhidos -, que seja glorioso: a maioria do pessoal merece.
Sobretudo os amados da minha família, os amigos, os leitores, e os homens
justos que ainda sobrevivem nesta terra.
Um bom ano a todos nós.
Um bom ano a todos nós.
#programada