"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



sábado, 20 de outubro de 2018

o direito ao “foda-se!”


O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de “foda-se!” que ela fala.

Existe algo mais libertário do que o conceito do “foda-se”?

O “foda-se” aumenta minha autoestima, me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta.

“Não quer sair comigo? Não? Então foda-se!”

“Vai decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então foda-se!”

O direito ao foda-se deveria estar assegurado na Constituição Federal.

Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos.

É o povo fazendo sua língua.

Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.

“'Pra caralho”, por exemplo. Qual expressão traduz a ideia de muita quantidade do que “pra caralho”?

“Pra caralho” tende ao infinito, é quase uma expressão matemática.

A Via-Láctea tem estrelas pra caralho, o Sol é quente pra caralho, o Universo é antigo pra caralho, eu gosto de cerveja pra caralho, entende?

No gênero do “pra caralho”, mas no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso nem fodendo!

O “Não, não e não!” é tampouco nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade. “Não, absolutamente não!” o substituem.

O “nem fodendo!” é irretorquível, e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranquila, para outras atividades de maior interesse em sua vida.

Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciência. Solte logo um definitivo “Danielzinho, presta atenção, filho querido... nem fodendo!”. O impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma e você fecha os olhos e volta a curtir o CD do Lupicínio.

Por sua vez, o “porra nenhuma!” atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional.

Como comentar a bravata daquele chefe idiota senão com um “é PHD porra nenhuma!” ou “ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!”

O “porra nenhuma”, como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem-estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha.

São dessa mesma gênese os clássicos “aspone”, “chepone” e mais recentemente o “prepone” - presidente de porra nenhuma.

Há outros palavrões igualmente clássicos.

Pense na sonoridade de um “puta que pariu”, ou seu correlato “pu-ta-que-o-pa-riu!!!” falados assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba.

Diante de uma notícia irritante qualquer um “puta-que-o-pariu!” dito assim te coloca outra vez em seu eixo. Seus neurônios tem o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça.

E o que dizer de nosso famoso “vai tomar no cu!” e sua maravilhosa e reforçadora derivação “vai tomar no olho do se cu!”?

Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: “Chega! vai tomar no olho do seu cu!”. Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua autoestima. Desabotoe a camisa e saia na rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: “fodeu!”. E sua derivação mais avassaladora ainda: “fodeu de vez!”.

Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de complicação? Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e autodefesa. Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar: O que você fala? “Fodeu de vez!”.

Liberdade, igualdade, fraternidade e foda-se!