Era criança e ficava
extasiada ao ver um termômetro quebrar. De dentro, saíam várias bolhinhas de
mercúrio. Eu mesma vivia numa bolha, mas não sabia. Achava que o planeta se
resumia à minha família, ao colégio e ao clube, onde eu encontrava “todo
mundo”. Todos iguais, brancos, de classe média alta, que reproduziam piadinhas
racistas e chamavam de bicha os garotos que não jogavam bola. Não éramos
pessoas ruins, apenas alienados.
Mas tive sorte. Meus pais
me proporcionaram muita leitura, música, teatro. Dessa forma, o “todo mundo” se
expandia. Caetano, Millôr, Fernanda Montenegro e Marina Colassanti, só pra
citar alguns, viviam no meu quarto. Cultura não era apenas entretenimento e,
sim, uma ponte para um universo muito mais amplo.
A arte impulsionou meu
crescimento, mas eu continuava habitando um microcosmo. Até que comecei a
trabalhar, a namorar. E aconteceu: conheci pessoas de fora da minha bolha.
Gente que foi criada de outro modo, que tinha outra história de vida, que
passava por dificuldades que nunca passei. É normal fazer turismo por
territórios “estrangeiros”, mas é raro incorporá-los ao nosso. Seguem eles lá,
nós aqui. Cada um na sua bolha.
Já fui a favor do porte
de arma. Já fui contra as cotas nas universidades. Eu estava errada. Eu mudei
de ideia. E isso só foi possível porque saí da minha bolha para escutar,
enxergar, compreender. Não haveria crescimento progressivo se eu me contentasse
em dizer oi para quem era diferente de mim e logo voltasse correndo para baixo
da minha cama. Então, cheguei mais perto de tudo que não era eu, e passei a
levar outras realidades em conta.
Uma das maneiras de se
fazer isso é por meio da política. Já votei certo. Já votei errado. Mesmo
sabendo que a nossa política, como um todo, é canalha, cafona e arrogante, ela
ainda é uma forma para avançarmos. Se a gente não avança, a gente morre dentro
da bolha. Vive aquela vidinha: família, colégio, clube. Tudo bem seguro, como
se não houvesse ninguém lá fora, ninguém que importasse.
Nunca fui militante ou
ativista. Nunca tive partido, nunca fui fiel a um candidato. Mas já não me
acomodo. Trouxe da minha bolha os princípios éticos e deixei pra trás os
preconceitos e tudo o que me abreviava como ser humano, tudo o que parecia que
me protegia, mas que apenas me tornava uma criatura indiferente. E o processo
não terminou, ainda tenho muito a evoluir.
Diante do atual
aquecimento de ânimos, lembrei do termômetro quebrado, das gotas de mercúrio no
chão e de como elas se fundiam numa só, atraídas umas para as outras numa
reação química que me parecia fascinante. Em meio a essa perigosa onda retrô em
que nos metemos, nunca me pareceu tão urgente que o “todo mundo” de um dialogue
com o “todo mundo” do outro. E apostar em quem respeita o poder transformador
da educação, da arte e da diversidade, contribuindo assim para unir todas as
bolhas.