Uma pesquisa revelou que
61% dos eleitores rejeitam a obrigatoriedade do voto. A desilusão com a política
é apontada como um dos motivos. Sendo o voto um instrumento de transformação,
eu jamais abriria mão dele, mesmo que fosse opcional, mas também sou contra.
Preferiria que todos votassem por consciência em vez de fazerem uni-duni-tê em
frente à urna apenas por dever cívico. Obrigação é uma palavra que me arrepia.
Desde garota. Passei a infância desejando crescer porque intuía que a
espontaneidade vivia no lado maduro da existência.
Sei que cada criança
processa os ensinamentos que recebe através de um código muito particular, mas
o fato é que eu me sentia numa camisa de força. Horário de ir para cama, ter
que raspar o prato mesmo estando sem fome, a televisão racionada, o dever de só
tirar notas boas. Obrigações que resultaram numa mulher responsável e bem
criada, ao contrário de tantas outras crianças que fazem o que bem entendem e
viram adultos mimados e despreparados para lidar com frustrações. Só que, aos
oito anos de idade, eu não sabia nada sobre pedagogia. A teoria sobre criação
de filhos não fazia parte do meu repertório. Eu só sabia das minhas vontades.
Eu queria ser livre porque me parecia o único jeito de ser honesta com meus
sentimentos e pensamentos.
Não queria fazer nada por
obrigação. Nem comer, nem dormir, nem ser feliz por obrigação. Considerava uma
violência quando, ao perguntar aos adultos “por que desse jeito?”, ouvia como
resposta “porque sim e pronto” ou “porque é assim que tem que ser”.
Obedecia militarmente a
hora certa de fazer as coisas como se houvesse um relógio universal regendo uma
orquestra de bons moços a serviço do andamento do espetáculo. Não que me fosse
custoso cumprir. Só era custoso entender.
Pior do que me comportar
como “todo mundo”, era viver uma afetividade também regida por regras. Não
parecia que as pessoas se encontravam por saudades, por afinidades ou para
repartir calor humano. Parecia obrigação também. A obrigação das datas
festivas. A obrigação dos domingos. A obrigação dos parentescos.
Ai de mim se gostasse
mais de uma avó do que de outra. Ou se não quisesse sair do quarto para jantar.
Ou se me recusasse a ir à missa. Ao colégio eu sabia que tinha que ir, não
questionava. Só questionava o que me parecia facultativo.
Apesar dos meus
facultativos não baterem com os dos meus pais, optei por não dar trabalho, segui
a cartilha da boa menina. Fiz minha parte e eles a deles – bem feita, diga-se,
ou não seria quem sou.
Mas quem eu sou mesmo?
Cumpridora, pontual, educada, porém, hoje, profundamente intolerante a tudo o
que não for espontâneo, ao teatro das convenções, às blindagens contra a
intimidade, ao que serve apenas para manter a orquestra tocando.