"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



quinta-feira, 27 de setembro de 2018

amor tardio


Investir em um relacionamento após determinada idade é um desafio dos grandes. Você não tem mais paciência para fantasias descabidas a lá Romeu e Julieta, simplesmente não está mais a fim de “perder” tempo com certas besteiras que décadas atrás mudariam o rumo da sua existência (tudo era uma questão de vida ou morte), os dramas já não precisam ganhar tanta tinta (longe de mim Almodóvar) e você procura, simplesmente, o tão esperado e seguro sossego.

No começo é quase sempre uma grande investigação. Uma curiosidade calcada no medo te move e você se sente um detetive do CSI, tudo pode ser um indício de um “crime”, uma peça do quebra-cabeças que (talvez) poderá fazer todo sentido no final. Enquanto isso você se diverte, se descontrai, aguça seus sentidos e segue caminhando cheia de interrogações na cabeça. Salto alto, batom impecável, sorriso no rosto e vamos lá.

Passa o tempo e algumas hipóteses se confirmam, você vai aprendendo a lidar com os esqueletos escondidos no fundo do baú (os seus e os dele), e começa a criar um repertório único, que não partiu do zero, mas de experiências passadas que te fizeram ser quem você é e logicamente ele também.

A melhor metáfora que vem a minha cabeça é a de uma nova personagem que chega na novela no centésimo capítulo. Ela chega, tem toda uma trama estabelecida e tem que lidar com tudo como se fosse o começo, mas não é. Essa personagem pode ganhar grande importância, ou não, depois de alguns episódios poderá ser assassinada caso não conquiste seu lugar de destaque ou virar a grande peça-chave da história e pronto, ficará eternizada na mente dos telespectadores.

Também passamos  a vestir o jaleco de farmacêuticos, conhecemos nossa bula do início ao fim. Nossas contraindicações, posologia, manias, gostos, reações adversas etc. Com as tentativas ao longo do tempo aprendemos mais sobre nós mesmos do que sobre o outro. O outro sempre é o outro, mas nós estamos aqui, convivendo com a mesma pessoa desde o nosso nascimento. Se pensarmos bem e exercitarmos um pouco da autorreflexão poderemos saber tanto sobre nós, as armadilhas que criamos, as mentiras que inventamos para nós mesmos, a felicidade das pequenas coisas que passam despercebidas e nem nos damos conta… aprender sobre si mesmo causa um efeito devastador, otimista e extremamente revolucionário. Por que não tentar?

Autoconhecimento é o caminho para viver uma vida plena. Seja consigo mesmo ou com um novo amor. Não demore para mergulhar na sua alma, você é profunda o suficiente para dar grandes saltos e fazer piruetas nesse doce e azul mar sem fim, basta ter coragem e encarar seus medos. A água gelada da piscina assusta, eu sei, mas logo que a sensação de milhões de punhais te espetando passa, o equilíbrio térmico atua e é aí que você consegue relaxar. Quando a gente perde medo do frio vive o prazer de se sentir mais leve, mais refrescada e possivelmente mais livre. Se conhecer é libertador porque te traz segurança. Os abalos chegam, mas não te derrubam, porque você já virou um bambu, daqueles que se envergam, mas não quebram.

Aprenda a ser bambu.

Eu sei, todos querem ser um árvore repleta de flores ou frutas suculentas. No entanto, as flores e as frutas vem e vão, passa o tempo estão sem graça e quase sem função, demora um ano para florescer ou dar o fruto da estação. Já o bambu… O bambu te dá equilíbrio. Mais vale a beleza do equilíbrio que a beleza fugaz de uma floração, acredite.

Uma vez bambu, o amor tardio chega. Você tem forças para lidar com os ventos, com as incertezas e com a incredulidade que te cabe. Será que ainda é tempo de amar? Será que ele é assim mesmo? Será que eu posso confiar?

Confie. Lembre-se que você não quebra.

E se permita ser surpreendida pelo amor tardio. Se permita ser surpreendida. Se permita surpreender. A palavra de ordem é doação.

Doar-se não é um sinal de fraqueza e sim de poder. Só serve quem tem segurança suficiente para tal. E o bambu? Serve para dar sombra, para refrescar, para fazer móveis, artesanato… bambu não quebra, lembra?

Seja bambu e dê boas vindas ao amor tardio.

escrito por Hilaine Yaccoub