A primeira Copa que
recordo com clareza foi a de 70, eu tinha oito anos. Assisti a todos os jogos
do Brasil sentada no chão, lugar de criança. O sofá era reservado aos mais
velhos (pai e mãe na casa dos 30, uns fósseis), então a mim restava o parquet,
que era bem limpinho. Lembro que eu torcia, vibrava, não parava quieta, e esse
“não parar quieta” incluía levantar e ir até o banheiro, depois ao quarto para
escrever alguma coisa no diário, passar na cozinha para pegar um suco e uma
bolacha Maria, voltar à sala, ver mais um pouco do jogo, e então dar uma
escapadinha até ali na rua para ver se tinha alguém com quem brincar, não
tinha, voltar, assistir ao jogo mais um pouco, de novo ir ao quarto para ver se
havia tema de casa para entregar na segunda-feira, e se houvesse, fazê-lo, e
então voltar à sala a tempo de ver o Carlos Alberto fechando a goleada de 4 x 1
contra a Itália e o Brasil levantando a taça Jules Rimet.
Hiperativa? Não, isso nem
existia. E também não era por causa do desconforto do chão que eu me levantava
de tempos em tempos para me distrair com outras coisas. É que jogo de futebol,
naquela época, demorava uma eternidade. Jogo de futebol durava umas quatro
horas e meia no tempo regulamentar. Pensando bem, acho que durava cinco horas.
Ou seis. Jogo de futebol engolia todo o domingo.
Quando o pai saía para o
estádio com meu irmão, eu e minha mãe íamos a uma sessão dupla de cinema,
depois dávamos uma passadinha na casa da vó, tomávamos um lanche no Joe´s e
quando voltávamos para casa, ligávamos o radinho e o jogo deles ainda estava no
primeiro tempo.
Quando o pai dizia “hoje tem
jogo”, eu ia para o sítio dos primos em São Sebastião do Caí, brincava,
brincava, brincava, e quando voltava para casa o juiz ainda não tinha apitado o
fim da partida.
Jogo de futebol era algo
tão longo, tão extenso, que parecia iniciar na quarta e terminar na quinta,
dava tempo de um edifício em obras ficar pronto, alguém podia se submeter a uma
cirurgia no cérebro durante uma semifinal que receberia alta antes da decisão
por pênaltis.
Dizem que jogo de futebol
sempre teve a duração de 90 minutos. Imagina se caio nessa.
É só comparar com os
jogos de hoje. O time dá o pontapé inicial, eu vou rapidinho até o micro-ondas
para ver se a pipoca ficou pronta e quando volto para a frente da tevê os
jogadores já estão trocando de camiseta com os adversários. O jogo começa às
13h, eu tiro a mesa, vou escovar os dentes e quando retorno para a sala o
Galvão Bueno já está dentro da noite escura, mostrando a reprise dos gols.
Tudo passa muito ligeiro,
antes nada terminava. 90 minutos durava uma vida. Agora, pelo visto, quem está
durando uma vida sou eu.
publicado 06/07/2014