Viver é melhor que sonhar, mas que se dê crédito ao onírico: nenhum ser vivo é páreo para um fantasma. Uma história construída e patrocinada pela mais febril imaginação não tem como ser esquecida.
Ela era uma mulher que
por oito anos recebeu cartas de um homem que nunca se apresentou diante dela,
nunca disse quem era, mas que ofertou as mais arrebatadoras declarações de
amor, aquelas que confirmam que o ponto G fica mesmo no ouvido, como disse
certa vez Isabel Allende. Por oito anos, ela manteve uma relação epistolar que
sobreviveu graças à expectativa, mas que nunca evoluiu para abraços e
convivência. Os outros homens que dela se aproximavam recebiam a atenção da moça
e promessas de enamoramento, mas eram previamente avisados sobre as tais cartas
anônimas. Os pretendentes mais espertos logo intuíam: seria impossível disputar
com um amante idealizado.
Esse é um resumo acanhado
do livro Minotauro, do israelense Benjamim Tammuz, mais um golaço da editora
Rádio Londres, que só publica fera. O livro vai além, vai mais longe, mas aqui
eu me retenho: o que é mais poderoso, um desejo consumado ou um desejo que
jamais se realizou?
Volto algumas dezenas de
anos atrás, quando eu, uma jovem garota inexperiente, vivi uma longa paixão por
um tenista que nunca havia dedicado nem cinco segundos a me olhar. Muitos anos
mais tarde, eu descobri que era correspondida, e, então, adultos, acabamos
tendo um affair que teve a velocidade de um voleio. Iniciou, acabou. E passei o
resto da vida com saudade daquilo que eu havia experimentado antes de termos
nos relacionado: do meu desconhecimento ingênuo e de todas as situações românticas
que passei bons anos da minha adolescência imaginando. Maldita ansiedade que me
fez querer conferir se a vida poderia reproduzir o sonho. Não, ela nunca
consegue.
A idealização é um
acontecimento em si. Mesmo por alguém que nunca vimos, ou especialmente nesse
caso. Sem um rosto e sem uma voz que nos faça cair na real, alimentamos um
sentimento que ignora a atração física, que resiste na mais absoluta e pura
invenção.
Paixão lúdica, anárquica,
espetacular.
A cada manhã, você
conversa em silêncio com alguém que parece ocupar um lugar à mesa da cozinha, à
tarde você passeia ao lado de alguém que pega sua mão mesmo não estando ali, e
à noite os travesseiros testemunham seu corpo solitário ocupar a cama inteira e
torná-la pequena para tanta fantasia.
O fantasma atende suas
súplicas. Ele responde às suas inquietações. Ele sabe o que você pensa e só
aguarda o seu chamado para entrar em cena. Com ele não há mal-entendido, não
tem ausência por motivo de força maior, não tem a passagem do tempo
trivializando suas ilusões cinematográficas.
Ele a quer do jeito que
você sempre quis. Ele não fala sobre política, Lava-Jato, violência – tem coisa
mais empolgante pra tratar. O assunto preferido dele é você, olhar pra você,
adorar você. E ele não atrasa, não mente, não desaparece. O irreal é seu amor
para sempre e você é o amor perfeito que ele não sabe que possui.
Por mais que tente,
nenhum ser humano é capaz de igualar essa proeza.
A não ser os psicopatas,
lógico.