Estranhamente eu me vi contente quando o meu
pai baixou hospital. É um sentimento feio para se confessar, mas foi o que
aconteceu comigo. Não consigo definir se era felicidade ou alívio.
O meu pai sempre foi rigoroso comigo, de
meias e duras palavras, sério, distante, inacessível. Demonstrava afeto e
importância falando de dinheiro, se eu precisava de alguma coisa, mais nada,
nunca descobri o que pensava e o que desejava, jamais expôs uma outra
preocupação carinhosa.
O máximo de contato que tivemos se resumiu a
seu aceno uma vez na rodoviária quando segui viagem para estudar na capital. O
pássaro de sua mão voando tornou-se nossa recordação mais próxima. Quisera ter
fotografado.
Já no hospital, pela primeira vez, eu poderia
tocar em sua pele, sem medo, sem susto, sem que ele virasse o rosto, sem ser
ofendido. Fiquei perto da cama o observando: uma rocha no mar que recebe a
superfície afofada do líquen.
Ele, indefeso, apresentava uma nova
autoridade. A autoridade do amor. A sabedoria da fragilidade: nem tudo passa, a
amizade dos filhos, surpreendente e incompreensível, grudava-se na pedra.
Fiz questão de cuidá-lo. Ele que nunca me
beijava, nunca segurava a minha mão, nunca me abraçava, nunca pedia um favor. E
eu o beijei, eu o abracei, eu entrelacei os meus dedos em seus dedos enquanto
dormia, eu segurei o copo d’água perto da boca, com a calma sôfrega do canudo.
Recuperei todo o nosso tempo perdido nas três
noites de vigília.
Quando ele se recuperou, voltou a ser o que
era antes, fechado e distante. Mas eu não voltei a ser a mesma pessoa.