Contar um segredo é a
triagem do caráter. Ou o segredo liberta ou aprisiona. É confessando algo de
que nos envergonhamos que saberemos se a pessoa é a nossa amiga ou não. Não tem
teste tão veemente, com efeitos mais imediatos.
O confessionário prova se
o outro é leal. Expor uma lembrança triste a quem não é de confiança logo vira
chantagem, logo vira moeda de troca, logo vira favor. Pode não espalhar para os
demais, mas usará a informação para obter vantagens e transformar a culpa em
superioridade.
Aquele que não é amigo se
aproveita da fragilidade para garantir benefícios. Fortalece a vítima para
desmerecê-la. Levanta para cima, diz que o segredo é nada, dissuade o medo,
para rir depois da queda.
Não é um amigo, porém um
inimigo em potencial, um adversário disfarçado de bons modos. No fundo, não tem
escrúpulos. Aproxima-se para impor os seus interesses. Está jogando sujo para
ganhar recompensas fáceis.
Ele se faz de
compreensivo e compassivo com o objetivo de manipular a relação. Há como prever
o Judas antes da confissão. Pois Judas trai com um beijo. Será alguém que se
mostra muito carinhoso de uma hora para outra. Tem pressa de saber tudo a seu
respeito, sem nenhuma razão aparente. Aparece forçando a intimidade, com
convites generosos e apoios nababescos.
Cuide com o que fala.
Porque aquilo que falar mostrará a natureza de suas companhias.
A decepção virá
rapidamente na forma de um insulto e de uma ironia. No primeiro
desentendimento, o túmulo de cimento das palavras não resiste às marteladas da
profanação. A traição será sempre a violação de uma confidência. Os suspeitos
não mudam com o tempo. É um colega de trabalho concorrendo com você. É um
antigo afeto querendo vingança. É um familiar ressentido com o passado.
Amigo que é amigo escuta
e esquece, e jamais volta para o assunto. Ouve e apaga. Escreve na água, para a
onda levar. Escreve na areia, para o vento cobrir. Cumplicidade é como
bebedeira, nunca lembrar o que aconteceu durante a vulnerabilidade da conversa.
Amigo que é amigo mantém
a decência de uma gaveta, de um cofre, de uma chave. Demonstra a sobriedade
educada e gentil de ajudar e desaparecer. Já cumpriu o papel de dividir as
dores e frustrações. Não alimenta a ambição de ser maior do que o silêncio.