O sotaque das mineiras
deveria ser ilegal, imoral ou engordar.
Porque, se tudo que é bom
tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar lindo (das
mineiras) ficou de fora?
Mineira deveria nascer
com tarja preta avisando: ouvi-la faz mal à saúde.
Se uma mineira, falando
mansinho, me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de
perguntar: só isso?
Assino achando que ela me
faz um favor.
Eu sou suspeitíssimo.
Confesso: esse sotaque me
desarma.
Os mineiros têm um ódio
mortal das palavras completas.
Preferem abandoná-las no
meio do caminho.
Não dizem: pode parar. Dizem:
‘pó parar’.
Não dizem: onde eu estou?
Dizem: ‘ôncôtô’.
Os não-mineiros,
ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os
mineiros vivem lingüisticamente falando, apenas de uais, trens e sôs.
Digo-lhes que não.
Mineiras não usam o
famosíssimo ‘tudo bem’.
Sempre que duas mineiras
se encontram, uma delas há de perguntar pra outra:
– ‘Cê tá boa?’
Para mim, isso é
pleonasmo!
Perguntar para uma
mineira se ela tá boa é desnecessário.
Há outras.
– ‘Aqui’, não vou dar
conta de chegar na hora, não.
Esse ‘aqui’ é outro que
só tem aqui.
Que os mineiros não
acabam as palavras, todo mundo sabe.
É um tal de ‘bonitim’,
‘fechadim’, e por aí vai.
Já me acostumei a ouvir:
– E aí, ‘vão?’.
Traduzo:
– E aí, vamos?
Não caia na besteira de
esperar um ‘vamos’ completo de uma mineira.
Não ouvirá nunca.
Eu preciso avisar à
língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a
mineira.
Nada pessoal.
Aqui certas regras não
entram.
São barradas pelas
montanhas.
Por exemplo, em Minas, se
você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer:
– Eu preciso ‘de’ ir.
Onde os mineiros
arrumaram esse ‘de’, aí no meio, é uma boa pergunta.
Só não me perguntem. Mas
que ele existe, existe.
Aqui em Minas ninguém
precisa ir a lugar nenhum.
Entendam:
Você não precisa ir, você
precisa ‘de’ ir.
Você não precisa viajar,
você precisa ‘de’ viajar.
Se você chamar sua filha
para acompanhá-la ao supermercado, ela reclamará:
– Ah, mãe, eu preciso
‘de’ ir?
No supermercado, o
mineiro não faz muitas compras, ele compra um ‘tanto de coisa’.
O supermercado não estará
lotado, ele terá um ‘tanto de gente'.
Entendeu?
Se, saindo do
supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará:
– ‘Ai, gente, que dó’!
É provável que a essa
altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras.
Para uma mineira falar
que algo é muitíssimo bom, vai dizer:
– ‘Ô, é sem noção’!
Entendeu?
É ‘sem noção!
‘Só não esqueça, por
favor, o ‘Ô’ no começo, porque sem ele não dá para dar noção do tanto que algo
é sem noção, entendeu?
Capaz…
Se você propõe algo ela
diz:
– ‘Capaz’!!!
Vocês já ouviram esse
‘capaz’?
É lindo!
Já ouviu o ‘nem’
Completo ele fica:
– Ah, ‘nem’!
A propósito, um mineiro
não pergunta:
– Você não vai?
A pergunta, mineiramente
falando, seria:
– ‘Cê’ não anima ‘de’ ir?
Tão simples.
O resto do Brasil
complica tudo.
É, ué, cês dão umas volta
pra falar os trem.
O plural, então, é um
problema.
Um lindo problema, mas um
problema.
Sou, não nego, suspeito.
Minha inclinação é para
perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras.
Aliás, deslizes nada.
Só porque aqui a língua é
outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão.
Se você, em conversa,
falar:
– Ah, fui lá comprar umas
coisas…
– ‘Que’ s coisa?’ – ela
retrucará.
O plural dá um pulo.
E se você acusar
injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará:
– Ele pôs a culpa ‘ni
mim’.
A conjugação dos verbos
tem lá seus mistérios, em Minas.
Ontem, uma senhora
docemente me consolou: ‘preocupa não, bobo!’.
E meus ouvidos, já
acostumados às ingênuas conjugações mineiras, nem se espantam.
Talvez se espantassem se
ouvissem um: ‘não se preocupe’, ou algo assim.
A fórmula mineira é
sintética.
E diz tudo.
Até o tchau, em Minas, é
personalizado.
Ninguém diz tchau pura e
simplesmente.
Aqui se diz: ‘tchau pro
cê’, ‘tchau pro cês’.
É útil deixar claro o
destinatário do tchau.
Então né, as mineiras são
trem bão demais sô!