Uma das histórias mais bonitas do meu pai, aconteceu numa
tarde chuvosa.
Nós estávamos em casa, quando alguém veio nos avisar:
“Dona Ana, a senhora vai ter que buscar o Seu Natinho, porque
ele tá bêbado demais, ele não consegue voltar pra casa. Tá caído lá na padaria,
lá na frente, lá no centro”.
Eu me recordo que eu era muito pequenininho.
Imediatamente, eu já me levantei, pronto para resolver a
situação, sabe?
Fui eu, minha mãe e um irmão meu, mais velho.
E eu me recordo, gente, que quando nós chegamos lá, meu pai
estava caído, na sarjeta mesmo.
A bicicletinha dele, ele era pedreiro, né ? Tava caída assim,
de lado, e ele na sarjeta.
Tinha chovido, e aquele barro que forma quando você tem uma
enxurrada, ele ali, misturado.
Eu me lembro que o primeiro sentimento que me veio, foi de vergonha.
Eu tinha medo que algum colega meu pudesse passar, pudesse
ver meu pai naquela situação.
Eu me lembro que nós tiramos ele ali, com pressa, muita
pressa.
Levamos ele pra casa, demos um banho nele, pra que ele
pudesse voltar a ser meu pai.
Meu pai foi um homem muito trabalhador, muito justo, muito
honesto.
Mas viveu, num determinado momento da vida, o problema do
álcool.
Superou, graças a Deus, morreu sem o problema.
Mas aquela tarde fica registrada na minha memória, de um
jeito muito intenso, porque ela representa pra mim uma das aulas de teologia
que a faculdade não me deu.
É bonito você reconhecer o amor que você tem por uma pessoa,
no momento em que ela está no podium.
É fácil amar uma pessoa no momento da vitória, no momento em
que há razões para ser amada.
Mas no momento em que o outro faz tudo errado e mesmo assim o
seu coração se mobiliza, para continuar elegendo como seu...
Eu aprendi que Deus é assim.
Que mesmo no momento da nossa sarjeta, a predileção dele por
nós não passa, não termina.
Porque o amor que Deus tem por nós, não passa pela lógica da
utilidade, do mérito.
Passa pela lógica do significado.
Não é mérito, não precisa ter.
Depois de tanto tempo vivido, eu identifico que o sentimento
que me ocorre, que me ocorreu naquele momento, não era de vergonha, era
de indignação!
Porque a indignação é você ver a pessoa certa, no lugar
errado.
E eu como padre, hoje, compreendo que o essencial da minha
vida, da minha evangelização, consiste, justamente, em descobrir e ficar
indignado com as realidades que eu encontro quando vejo pessoas certas, nas
situações erradas.
E, para mim, o processo religioso vale, na vida, justamente
para isso: Pra nos retirar da sarjeta, pra lavar a nossa alma e nos devolver a
dignidade perdida.