Consta que o escritor francês Honoré de Balzac não tinha pela
fotografia muita consideração. Dizia ele: “Todos os corpos físicos são
compostos, na sua totalidade, por infinitas camadas fantasmagóricas, uma em
cima da outra. A fotografia tem o poder de retirar cada camada espectral e de
transferi-la para o retrato”. Ou seja, a cada click, morremos um pouco.
Li também em algum lugar (minhas desculpas ao autor
desconhecido que ficará sem crédito) que fotografar é tirar o tempo do próprio
tempo, engaiolar o momento, eternizar o homem mortal em arquivo. Isso explica,
em parte, o fato de tantas pessoas, tribos e povos não gostarem de ser
fotografados.
Quando não conseguem evitar, fecham o rosto: é a resistência
possível, sonegar o sorriso. Por respeitar aqueles que acreditam em roubo de
alma, costumo pedir permissão antes de fotografar desconhecidos, mas só pensei
seriamente neste assunto quando fiquei três dias sem celular.
No início, achei que me sentiria amputada, mas aconteceu o
contrário: reintegração de posse. Posse do meu olhar, da minha presença
íntegra. De repente, eu estava nos lugares com este único fim: ali estar e
ponto – não a fim de gerar conteúdo para abastecer redes sociais.
Assisti a uma palestra e não fotografei o palestrante, estive
num bairro desconhecido e não fotografei seus prédios, almocei com uma amiga e
não bati uma selfie nossa, e isto não causou nenhuma sensação de incompletude
ou solidão, ao contrário, lembrei como as circunstâncias e experiências do dia
se tornam mais perceptíveis quando não temos um dispositivo eletrônico ao
alcance da mão.
É a mesma regra que o teatro impõe: apreenda o que está vendo
e escutando, absorva o encantamento, porque logo tudo irá desaparecer e só o
seu sentimento irá ficar. O que eterniza – qualquer coisa – é a impressão
causada. Óbvio que é muito bom ter fotos das pessoas que amamos, das
comemorações, das viagens, de nós mesmos quando crianças, de nossos ritos de
passagem. E tão importante quanto é a fotografia como expressão artística e/ou
jornalística, o registro de um segundo que transcende o banal, que desperta
reflexões, espanto, deslumbramento, releituras.
Mas fotografar tudo e todos, a toda hora, sofregamente, é
“tirar o tempo do próprio tempo”, é não estar mais ali como protagonista da
própria vida, e sim como um freelancer com um contrato temporário a cumprir. De
certa forma, estamos todos a serviço do celular, nosso patrão.
Afanaram meu patrão e não fiquei desempregada, continuei
usando a vida. E nem deu tempo de comentar aqui sobre esses três dias em que
passei, também, sem escutar os apitos do WhatsApp. Ainda que pareça
inacreditável, sobrevive-se.