Quando você perde o celular ou ele estraga, entra em pânico.
Não lembra de nenhum número de cor. Você apenas preserva os telefones no
aparelho e não explora mais o raciocínio. A última vez que decorou algo com
devoção foi a tabuada na infância.
Não tem mais a necessidade de anotar na palma suada da mão e
passar a limpo com a ansiedade dos olhos. Não há rascunhos dos códigos.
O que você conhece da vida de seu amor e de sua família está
alojada na pastinha dos contatos. Mesmo o celular da sua esposa e dos seus
filhos estão lá. Vendemos a nossa memória para as operadoras. Recobraremos
alguns números, mas não a ordem exata. Nossos melhores amigos encontram-se
presos no chip. De um instante para o outro, o universo de referências
desaparece e somos combinações de trotes e enganos.
Não existe como solicitar socorro e avisar que ficou sem
comunicação. Mentaliza o desespero dos seus familiares buscando ligar
freneticamente, e o seu celular mortinho. E a sua memória morta junto.
E se dará conta de que o único número que recordará será o
fixo da casa dos pais. Exatamente o número telefônico que nunca mudou em sua
história. Telefonará aos pais para o resgate afetivo de suas raízes.
– Mãe? Mãe? Que bom que está em casa, pode avisar a minha
mulher que estou sem celular.
Engraçado que a mãe sempre está em casa quando você precisa.
É a intuição materna provando a sua força.
Por mais que amadureçamos e nos tornemos independentes,
jamais esqueceremos os pais. É para eles que regressamos quando precisamos de
verdade. É para eles que reivindicaremos cuidados na amnésia e nos recomeços.
Os pais são para sempre, mesmo que a relação seja fundada em brigas. No momento
decisivo, os desentendimentos somem.
O único telefone que lembraremos é o da residência primeira,
a residência onde prometemos um dia não voltar tarde.
O telefone fixo dos pais forma o escapulário nas lembranças
que nos protege do mundo. Impossível de ser apagado ou de ser removido. Nenhuma
tecnologia destrói a voz dos pais ensinando como discar para o endereço.
Lembro nitidamente o número …333411… assim como lembro que
sempre que caía um botão na minha infância, a mãe não pedia para entregar a
roupa. Ela buscava a sua almofada negra de agulhas, sentava em um banquinho em
minha frente e consertava a camisa na hora. Recriava o ventre por alguns
minutos. Eu sentia a linha ziguezagueando próxima da pele. Acho que, no fim,
ela costurou o número do seu telefone em meu corpo para que eu fosse devolvido
são e salvo.