E então veio o julgamento sem dó: Não sei o que ela viu nessa
criatura. Pobre da mulher. Não fazia nem 10 minutos que tinha apresentado o
novo namorado e bastou se afastar dois passos para que as amigas, em
assembleia, rejeitassem sua escolha.
O que ela havia visto naquele sujeito comum, altura mediana,
rosto sem personalidade, um cara retraído e sem graça? A resposta não estava
nele. Se olhassem para ela, saberiam.
Ela e seus olhos faiscantes, ela e seu sorriso tão largo que
escapava por trás das orelhas, ela que parecia estar de sapatilhas dançando O
Quebra-Nozes, ela que descobrira como renovar todo o colágeno da pele, ela que
pela primeira vez usava um decote profundo. O que importava a retração aparente
do sujeito? Estava tudo explicado.
Quando a gente diz “eu te amo” para alguém, está sonegando o
resto da informação. “Eu te amo”, assim, resumido, dá a entender que amamos
aquela pessoa apenas pelas qualidades que ela tem, mas não é assim que
funciona. Quem tem uma coleção de defeitos também é amada, então a lógica acaba
de se retirar deste debate. Não amamos o outro. Amamos o que o outro provoca em
nós.
Se a declaração fosse completa, diríamos: te amo porque você
acabou com a minha soberba, eu que tinha um discurso pronto sobre a superioridade
dos solitários. Te amo porque sua entrada na minha vida me fez sentir com 10
anos menos. Te amo porque voltei a acreditar no meu potencial. Te amo porque
descobri que posso ser divertida. Te amo porque me deu vontade de praticar
esportes e mudar minha alimentação. Te amo porque nunca tinha encontrado alguém
que me convencesse a dançar.
Te amo porque eu jamais teria coragem de colocar um cachorro
no meu apartamento não fosse seu atrevimento em me dar um. Te amo porque eu
precisava renovar minhas lingeries. Te amo porque pela primeira vez estou
pensando em me dar alta na terapia. Te amo porque me sinto desejada. Te amo
porque consegui esquecer a minha ex. Te amo porque você me faz batalhar por
projetos que eu já tinha desistido. Te amo porque passei a gostar dos meus
seios. Te amo porque enfrentei os meus medos. Te amo porque estou reconhecendo
outra pessoa no espelho.
Ele? É só um homem gentil, simpático, que trabalha bastante e
resmunga bastante também, que tem um pai botafoguense que nunca o perdoou por
ser vascaíno e que já viveu dois amores que o deixaram mais preparado para
tentar acertar no terceiro.
Ela? É só uma mulher atenciosa, discreta, às vezes um pouco
insegura, que ainda sonha em ser alguma coisa além de bibliotecária e que anda
cogitando ter um filho para se sentir mais completa.
Amor, pensando bem, é gratidão. Duas pessoas comuns tornando
uma a outra especial.