Anos atrás, escrevi uma crônica chamada Fator de Descarte, em
que eu perguntava qual seria o deslize fatal que desmotivaria o prosseguimento
de uma relação. Na época, dei o exemplo de uma amiga que estava no carro com o
rolo novo e que o dispensou assim que ele, ao ouvir uma canção do Tom Jobim,
disse que não suportava “aquele xarope”.
Amor não é coisa que tem dado sopa por aí, então, mesmo o
cara tendo péssimo gosto musical, convém dar mais uma chance a ele – eu daria.
Porém, nem todos são tão complacentes. Um amigo me disse, outro dia, que estava
começando a trocar mensagens com uma garota, até que ela escreveu que adorava
percorrer a orla de biscicleta. Biscicleta com sc foi o fator de descarte dele.
De fato, é grave, mas nestes tempos em que todo mundo tem
iniciado relações através das redes sociais, sendo obrigados à escrita, é bom
reduzir o grau de exigência, senão adeus cobertor de orelha para atravessar o
inverno.
Erros clássicos proliferam: “despretencioso”, “encomodar”,
“excessão”. Recentemente, uma escritora escreveu de forma errada a palavra
exceção em seu Facebook: quem nunca? Na pressa em digitar um post contra a
bandalheira do país, escapou um erro ortográfico sem revisão. Pelo mesmo motivo
(a política), um músico escreveu que estávamos no fundo do posso. Ó, céus. Se
até com eles, que dominam o português, acontece, imagine com quem não tem o
hábito de ler livros, que é a maioria.
Muitos leitores me mandam e-mails bacanas e, ao final, pedem
desculpas antecipadas por alguma eventual mancada na digitação. Quase sempre,
são justamente eles que não cometem mancada alguma. Digo para relaxarem, pois
costumo ficar mais ligada no conteúdo do que na forma. Eu mesma, em mensagens
ligeiras, escorrego. E inclusive nas nem tão ligeiras: outro dia, numa crônica,
troquei “sobre” por “sob” e não me conformo, como deixei passar? Vacilei. Não
me descartem por isso, tenho defeitos piores.
Escrever corretamente é uma obrigação. Nada causa melhor
impressão do que um texto limpo, claro e bem escrito, mas diante da falência da
nossa educação e do lamentável índice de leitura do país, melhor ampliar nosso
crédito amoroso para com os descuidados. Já me apaixonei por quem escrevia
feito um poeta, mas também por quem escrevia “quizer” e “denovo”, assim, tudo
junto. Meu fator de descarte, nestes casos, é a boa ou a má vontade em
aprender. Se a pessoa aceita e agradece quando é carinhosamente corrigida, está
salva, é sinal de que é inteligente. Mas se fica ofendida, aí o problema não é
o erro gramatical, e sim a falta de humildade e a tacanhice em não querer
melhorar. Pra essas, condescendência zero – agora sim, com sc.